A explicação científica sobre como funciona a mente de um ator

Como um ator ou uma atriz criam os seus papéis? Quais são os princípios técnicos e científicos que sustentam os seus trabalho e formação na representação?

A explicação científica sobre como funciona a mente de um ator

Quando pensamos no mundo da representação, podem vir-nos à mente atuações míticas do ator Marlon Brando e a atriz Vivien Leigh no filme Um Elétrico Chamado Desejo, Meryl Streep em As Pontes de Madison County ou Kenneth Branagh como protagonista de Hamlet.

Raramente nos perguntamos, porém, como um ator ou uma atriz criam. Quais são os princípios técnicos e científicos que sustentam os seus trabalho e formação? Podemos estudar cientificamente o processo de criação dos atores? Martin Bienvenido Fons Sastre, professor de Artes Cénicas da Universidade Loyola, na Andaluzia, tem a resposta.

Estas questões “começam a encontrar respostas, graças aos avanços da neurociência”, que fornecem novos insights para compreender o funcionamento da performance cénica a partir da compreensão do ator e da atriz como seres humanos que utilizam corpo e mente para executar uma ação “precisa em determinadas ação e ambiente e, assim, “ligar-se às circunstâncias imaginárias da situação fictícia”.

O encenador britânico Peter Brook declarou que a neurociência começava “a compreender o que o Teatro sempre soube: que as pessoas são seres imitativos”. “Copiamos e compreendemos as ações e intenções dos outros e tudo isto pode levar-nos a um estado de empatia emocional.”

O desempenho incorporado

A atuação é baseada em “saber ser, saber fazer e novamente saber ser”. Ou seja, “estar presente no palco, vivenciar as circunstâncias imaginárias da personagem e conseguir transformar-se noutro, durante a performance”.

Para isso, o ator “trabalha as suas ações com base na situação dramática criada e no envolvimento de seu corpo-mente”, para que seja produzida uma “atuação real, eficiente, eficaz e verdadeira que se ligue “empaticamente ao espetador”, explica Martin Bienvenido Fons Sastre. Por isso, o processo criativo do ator “baseia-se em colocar o corpo na mente e a mente no corpo”.

Esta ideia, desenvolvida pelo filósofo e cientista Mark Johnson no livro The Body in the Mind explica como o corpo está presente na formação do sentido e da razão. Consequentemente, “os sinais expressivos do representador em palco são uma consequência direta das técnicas interpretativas que ele incorpora de uma tradição performativa específica e dos sinais psicofísicos que emanam do seu corpo”, traduz Sastre.

Por exemplo, “expressar a emoção do riso não é a mesma coisa para um ator chinês formado na Ópera de Pequim e para um ator treinado no North American Actors Studio”. “O ator chinês trabalha a partir da codificação fisiológica das expressões emocionais. Por outro lado, quem se formou no Actors Studio foca-se na indução emocional a partir da memória sensorial e afetiva.” Embora sejam métodos de atuação diferentes, existe porém “um substrato neurobiológico comum: a emoção do riso”.

Do que foi dito, emerge uma “conceção contrária à separação entre corpo e mente da tradição cartesiana”. É o que destaca o neurobiólogo Antonio Damásio no livro O Erro de Descartes, dando importância à parte motora do ser humano e à sua relação com o meio ambiente como fonte de processos cognitivos. Isto “interliga-se perfeitamente com o trabalho psicofísico que o ator realiza como núcleo das suas formação e criação”. Do ponto de vista das ciências cognitivas, “falamos atualmente em cognição incorporada“. Ou seja, “conhecimento adquirido através da interação sensorial e motora com o meio ambiente”.

“Do exposto, conclui-se que a formação do ator e da atriz deve provocar a ativação simultânea do corpo e da mente para poder trabalhar a sua partitura de ações em cena”. Mestres da interpretação do século XX – como Konstantin Stanislavski, Vsevolod Meyerhold, Stella Adler, Mijaíl Chekhov, Eugenio Barba e Jerzy Grotowski – destacaram “a ação como componente básico do performer para a construção da representação”.

Através da ação, a mente e o corpo são treinados “em conjunto para que a interpretação seja orgânica”, explica Sastre. Neste caso, “falamos de uma performance incorporada”. Assim, o que caracteriza o trabalho criativo do ator “é o uso unificado das energias física e mental”.

O ator espelho

Neste ponto, podemos perguntar-nos: o que é uma ação? Para os neurocientistas, “um ato motor é definido como um movimento que permite atingir um objetivo e uma ação é a concatenação de atos motores interligados e ordenados por uma intenção específica”.

Na década de 1990, a equipa do investigador Giacomo Rizzolatti, da Universidade de Parma, revolucionou o campo da cognição motora com a descoberta dos neurónios-espelho. Estes neurónios permitem-nos “compreender ações, intenções e emoções de outras pessoas”. Além disso, “apresentam também a base neurológica de imitar as ações dos outros e, portanto, de aprender”. Ou seja, “se, por exemplo, observarmos alguém a correr, os neurónios-espelho “são ativados no nosso cérebro sem que dêmos qualquer passo e podemos até entender ‘o porquê’ e ‘o para quê’ daquela ação”. “Os neurónios-colocam-nos, literalmente, ‘na pele do outro’.”

Esta descoberta “tem um claro impacto” nas teorias dos palcos. A sua aplicação no mundo interpretativo e a sua relação com o espetador “permitem-nos compreender como podemos perceber as ações dos outros e como as reproduzimos – não só através de uma cópia automática, o mimetismo, mas pela compreensão da intenção da ação observada de representar isso mais tarde: imitação”. A presença do ator e a perceção do espetador “são duas ações em si”, que nos levam a falar “de corpos e cérebros sintonizados durante o ato teatral”.

Os neurónios-espelho são ativados por ações que têm “intenção e objetivo específicos”. “Para que o espetador sinta e compreenda a intenção do ator no palco, deve ser capaz de realizar ações reais e precisas”. “Estamos perante um espaço de intenções partilhadas entre o ator e o espetador.”

Compreender as emoções dos outros “liga-se com o famoso ‘como se’ ou o ‘sim mágico’ do mundo teatral”. “O que faria eu se estivesse nas circunstâncias da personagem?” Durante a atuação, os atores “têm a capacidade de colocar-se no lugar do outro, visualizá-lo e realizá-lo – ‘Eu sou Hamlet se fizer o que Hamlet faz’. Esta é a sua função e os avanços no extenso campo da neurociência oferecem-nos uma explicação científica”, conclui Martin Bienvenido Fons Sastre, professor de Artes Cénicas da Universidade Loyola, na Andaluzia.

The Conversation

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