Cancro silencioso: o que deve saber quando não há sintomas óbvios
A recente revelação sobre o diagnóstico de cancro da Princesa de Gales é um alerta crucial para o diagnóstico, dada a sua natureza por vezes silenciosa. O cancro silencioso surge sem sintomas percetíveis e representa um desafio único para deteção e tratamento precoces.
As recentes revelações sobre o diagnóstico de cancro da Princesa de Gales alertam para um aspeto crucial da deteção da doença por vezes silenciosa. O cancro silencioso surge sem sintomas percetíveis, o que representa um desafio único na deteção e tratamento precoces.
Contrariamente à perceção comum, “o cancro nem sempre anuncia a sua presença através de sintomas evidentes ou sinais óbvios”, anuncia Justin Stebbing. Professor de Ciências Biomédicas na Universidade Anglia Ruskin, Stebbing explica que “muitas pessoas recebem um diagnóstico de cancro ‘acidentalmente’, quando é descoberto durante exames médicos de rotina ou averiguação de problemas de saúde não relacionados” – como parecem ser os casos tanto de Kate Middleton como do rei Carlos III.
Ainda que até os cancros silenciosos possam, por vezes, “ser agressivos e avançarem rapidamente“, podem também “permanecer latentes durante anos ou mesmo décadas”. “Alguns tipos de cancro na próstata, na mama e na tiroide, por exemplo, evoluem muitas vezes lentamente, sem sintomas óbvios ou espalhando-se para além da área original”, observa Justin Stebbing.
“Em janeiro, fui submetida a uma grande cirurgia abdominal em Londres e, na altura, pensava-se que a minha condição não era cancerígena. A cirurgia foi bem-sucedida. No entanto, os exames pós-operatórios revelaram a presença de cancro” – Kate Middleton
Surpreendentemente, entretanto, uma das mais recentes investigações sobre o tema “sugere que alguns destes cancros são tratados em excesso“. “Por vezes, é melhor deixar não tratar os pacientes ou tratá-los com muito mais cuidado – talvez mesmo sem intervenção médica, optando por uma estratégia de ‘observar e esperar'”. “Esta abordagem pode ser adotada no cancro de próstata em idosos, por exemplo”, aponta Stebbing.
Importância do diagnóstico precoce nos casos de cancro silencioso
Seja qual for o cancro, “é sempre importante obter um diagnóstico precoce – e, para cancros silenciosos, isto é obviamente um desafio”, diz diz o especialista em ciências biomédicas.
Alguns sintomas do cancro “podem ser vagos e facilmente confundidos com doenças benignas”. “Fadiga, perda de peso inexplicável e dor persistente estão entre os sintomas não específicos que podem sinalizar uma doença maligna subjacente. Tais sintomas podem ser mal interpretados ou facilmente descartados, o que contribui para atrasos no diagnóstico e no tratamento.”
“Felizmente, em muitos países, incluindo Portugal, existem testes de rastreio para doenças como o cancro da mama ou do cólon, para aumentar os diagnósticos precoces”, congratula-se o professor.
O diagnóstico precoce “é um fator-chave para o sucesso do tratamento do cancro”. “A deteção na sua fase silenciosa oferece uma janela de oportunidade para uma intervenção precoce e melhores resultados” no tratamento. A descoberta de cancros assintomáticos através de diagnóstico por imagem ou testes de rastreio “sublinha a importância destas medidas proativas de cuidados de saúde”.
Identificar o cancro numa fase inicial significa que a doença “está confinada ao seu local de origem, é mais pequena e potencialmente mais fácil de curar”
Identificar o cancro numa fase inicial significa que a doença “está confinada ao seu local de origem, é mais pequena e potencialmente mais fácil de curar”. Diagnosticar um cancro menor significa geralmente que, “se for necessária intervenção cirúrgica, será uma operação menos invasiva”. “Pode igualmente haver uma necessidade inferior de quimioterapia preventiva pós-operatória, para ‘limpar’ quaisquer células residuais”.
O cancro colorretal (CCR) é um bom exemplo da “importância crítica do rastreamento”. Vários estudos indicam que pacientes “submetidos a exames de CCR, como colonoscopias ou exames que procuram sangue nas fezes, têm maior probabilidade de serem diagnosticados enquanto assintomáticos” e têm prognósticos “mais positivos após o tratamento”. “Os diagnosticados com CCR depois de apresentarem sintomas, como sangramento retal ou alterações nos hábitos intestinais, tendem a ter tumores mais avançados com piores resultados“.
As iniciativas de saúde pública destinadas a aumentar a sensibilização para a importância do rastreio do cancro e do reconhecimento dos sintomas “desempenham um papel fundamental na redução dos atrasos no diagnóstico”. “Capacitar os utentes para que se envolvam em medidas preventivas de saúde, como a vacinação contra o HPV e mudanças no estilo de vida que diminuam o risco, pode facilitar deteção e intervenção precoces, alterando potencialmente a trajetória da doença”, explica Justin Stebbing.
A descoberta de biomarcadores
Os mais recentes avanços nas tecnologias de diagnóstico, muitas vezes conhecidos como “descoberta de biomarcadores”, são “promissores para melhorar as taxas de deteção precoce e refinar as estratégias de tratamento para os vários tipos de cancro silencioso”, diz. Do perfil molecular às técnicas de biopsia líquida (exames de sangue para diagnosticar o cancro), “abordagens inovadoras estão a remodelar o panorama do diagnóstico do cancro, oferecendo novos caminhos para uma medicina personalizada e de precisão”.
“Por exemplo, trabalhei com uma equipa que utilizou exames de sangue para identificar cancros em mais de mil mulheres ‘reconvocadas’ após exames de mamografia. Analisámos o ADN que as células tumorais libertam – o chamado ADN livre de células – e também a metabolómica (marcadores raros relacionados com o metabolismo no sangue). A partir destas informações, encontrámos pacientes saudáveis, com doença benigna, pré-cancerígena e cancro de mama”. Embora haja uma crescente consciência e utilização desta abordagem na Europa, muitos países ainda não adotaram estas práticas.
Os cancros assintomáticos “representam um desafio formidável para o atendimento ao paciente”. “Ao encorajar os pacientes a adotarem estilos de vida preventivos e a participarem em rastreios e testes, os cancros assintomáticos não têm de ser uma ameaça oculta à saúde”, finaliza Justin Stebbing, professor de Ciências Biomédicas na Universidade Anglia Ruskin.
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