Andreia Rodrigues sofreu dois abortos
Antes de ser mãe de Alice, Andreia Rodrigues passou por uma experiência dolorosa e traumatizante. A apresentadora da SIC revela que perdeu dois bebés.
Sofrer um aborto espontâneo numa fase inicial da gravidez é mais comum do que a maioria pensa. No entanto, o assunto é ainda tema tabu, além de motivo de sofrimento e dor para milhares de mulheres. Três meses depois de ter sido mãe de Alice, Andreia Rodrigues decidiu quebrar o tabu.
Recorde: Daniel Oliveira e Andreia Rodrigues já foram pais
A apresentadora e mulher de Daniel Oliveira revelou, num longo texto publicado no seu blogue que, antes de ser mãe, teve duas gravidezes que não chegaram ao fim. Andreia Rodrigues explica que decidiu contar a sua história porque viveu «episódios que são considerados tabu, sem que tenham necessariamente de o ser», explica. De acordo com o texto, a primeira gravidez aconteceu em 2016 e a segunda em 2017.
Andreia Rodrigues e Daniel Oliveira casaram-se em 2017 e foram pais a 30 de maio de 2018.
Leia o texto na íntegra:
«Houve amores que não conheci…
Não faço esta partilha como alguém que tem uma profissão pública, mas como mãe, mulher, que sofreu duas situações de aborto e que sentiu receio que os olhares dos outros devolvessem piedade ou comiseração. Acreditei que, ao saber-se, me acusariam de ser frágil e incapaz (que tolice a minha!), como se isso pudesse amputar a minha feminilidade. Falei com algumas amigas e é por saber o quão importante foi para mim que partilhássemos experiências que partilho agora a minha história. Se estas palavras servirem para ajudar alguém a libertar-se de um peso, que não tem de carregar, ou a continuar a ter esperança, já valeu a pena.
Porque como mulher, percebi que éramos muitas e quando, muitas vezes, contava o que me tinha acontecido, vinham os desabafos de quem tinha vivido o mesmo, mas não tinha coragem de partilhar. Percebi que é mais comum do que se pensa ou do que se fala. Devíamos falar mais, que a experiência dos outros nos ajude a mitigar a nossa dor. Se não estamos cá para nos ajudar uns aos outros, estamos cá para quê?
Queria muito ser mãe, queríamos muito ser pais e, apesar da pressão pública, só quando sentimos que estávamos preparados, é que demos esse passo. Eu estava consciente de que dificilmente seria imediato – há sempre casos de quem engravida à primeira, mas eu tinha decidido pôr as minhas expectativas num nível moderado. Cada mês que passava sem que eu tivesse engravidado fazia ressurgir alguma tristeza, mas sempre procurei aceitar esse sentimento com tranquilidade. Enquanto isto, as pessoas iam perguntando sobre a maternidade, insistindo que já estava na altura.
Uns meses depois, o teste positivo chegou, a felicidade foi imensa. Fiz uma surpresa ao Daniel para lhe revelar a boa nova, escondi o telemóvel e filmei-nos abraçados e felizes. Nos dias seguintes, tirámos a primeira foto das muitas que iríamos tirar, que nos dessem o “filme” de todo o processo de gravidez. Foi a única que tirámos. Foram dias, semanas difíceis de gerir, de aceitar.
Um ano depois, a mesma alegria. Ou talvez mais. Agora seria real, a dor da perda estava vencida. Ouvir o coração do nosso bebé foi maravilhoso. Íamos ser pais. Partilhámos com família e amigos a nossa felicidade. Assim foi durante algumas semanas, até à véspera do meu aniversário. Foi aí que soube, pela segunda vez, que o meu bebé já não tinha vida. Era precoce – não tinha 3 meses – disseram-me que ainda não era um bebé, não o devia ver como tal… mas era, eu já o tinha sonhado, eu já nos tinha sonhado: a nossa vida.
Tal como da primeira vez, ainda deitada na marquesa, tentei manter-me firme, não chorei quando em vez de ouvir o bater do coração, ouvi que o coração já não batia: “não há batimentos” – eu tinha pressentido que algo não estava bem, eu sabia que algo se passava com o meu bebé. Eu já era mãe e deixei de o ser. Na sala, tal como da primeira vez, o silêncio cortava e o nó na garganta não me deixava dizer muita coisa, nem era capaz de chorar… a vida mais uma vez puxou-me o tapete, mas eu não podia cair. O Daniel amparou-me, deu-me colo e só em casa desabei e me perdi em lágrimas. Quando entrei, a minha cadela veio feliz, como de costume, enrolar-se nas minhas pernas, Deitei-me com ela no chão, sentia (erradamente) que a culpa era minha, que tinha falhado mais uma vez. A Roma não sabia o porquê mas, curiosamente, deixou-se ficar o tempo que eu precisei e à sua maneira lambeu-me as lágrimas e ficou ali para mim, até eu me acalmar… sentia-lhe a respiração, serena, como se me ensinasse a respirar quando o ar me faltava.
O médico que me fez a ecografia – e que me seguia na altura – pediu-me para voltar lá no dia seguinte, só para ter a certeza…. Foi uma noite dura, eu sabia que o meu bebé já não tinha vida dentro de mim, mas ao mesmo tempo havia uma ínfima réstia de esperança. Dia 11 de Abril de 2017 – dia do meu aniversário – a confirmação. Não cantei os parabéns – não nesse dia – não tinha forças para o fazer. Sentia-me perdida, vazia, e por mais que me tentassem animar…eu só queria dormir e acordar daquele pesadelo. Sim, eu sabia que não me podia entregar ao que estava a sentir, não era a primeira vez, mas agora doía mais, foi mais difícil de aceitar…e teríamos de dizer àqueles com quem festejámos que tínhamos perdido o nosso bebé – foi duro. Quis acreditar que se, mais uma vez, assim foi, haveria alguma razão. Hoje percebo que sim. A vida tinha de continuar.
Aprendi muito, aprendi também a ter mais cuidado com as palavras, primeiro porque não temos de exercer pressão sobre a vida dos outros e depois porque não sabemos o que o outro está a viver. “Estás com cara de grávida”, “Quando é que tens um bebé?” “Não queres ter filhos?”. Na maior parte das vezes, são comentários apenas para fazer conversa, bem intencionados, mas não deixam de nos magoar quando vivemos algo assim, uma dor que é nossa e só nós a entendemos.
Depois há os outros: comentários característicos de quem não vê além do seu umbigo e prefere maldizer porque é conveniente. Ouvi ambos, alguns deles durante o processo de perda. As palavras dos outros são, muitas vezes, como vidros que nos entram no corpo, que nos rasgam a pele, que nos ferem – até mesmo as bem intencionadas – ninguém sabe o que estamos realmente a viver, por vezes os sorrisos escondem lágrimas.
Da primeira vez, no dia em que soube, estava a fazer o Grande Tarde, antes da emissão do programa tinha uma produção fotográfica e fui, fotografei, engoli as lágrimas e sorri. Uns dias depois disseram-me que teria de ser internada, pedi para que fosse durante o fim de semana, queria ir trabalhar na 2.ªfeira, não me queria entregar àquela dor. Entrei sábado de manhã e saí no domingo ao final da tarde. Chorei quando acordei, já no recobro, não havia dúvidas. No dia seguinte, lá estava eu em direto.
Corroída por dentro. Fingir que nada tinha acontecido era a minha fuga e também uma forma de me proteger. Precisava de tempo. Tempo para me despedir do que vivi até ali, dos planos que tinha feito para nós, mas não era momento de parar, não podia, eu ainda não estava preparada! “É normal, acontece a muitas mulheres, elas é que não partilham porque acham que é algo que está errado com elas, às vezes sentem vergonha” – dizem alguns especialistas. Certo, acontece a muitas mulheres, é normal, mesmo que doa e doeu muito! É errado achar que o problema somos nós e que somos menos por isso, não temos de nos envergonhar de ter uma gravidez que não progrediu. Partilhar ou não é uma questão de opção, mas que não seja a vergonha ou o receio do que possa ser dito a ditar o que fazemos, e infelizmente é isso que acontece na maior parte das vezes. Não somos menos por isso, não estamos em causa por isso. Algumas mulheres até se terão tornado mais fortes.
Há um luto: o luto do que foi imaginado, sonhado, um luto do que sentimos, do que vimos acontecer no futuro que sonhámos, do coração que ouvimos bater pela primeira vez…um luto que não se veste de preto mas nos invade e nos deixa às escuras, mesmo que por instantes. E depois? Resta-nos seguir em frente e deixar que o tempo se encarregue de nos dar mais uma oportunidade. Confiar. Sabia e sei que há histórias mais difíceis do que a minha, mas os finais felizes existiam nos vários cenários e essa esperança era essencial, apesar de ter criado um plano B – um plano sem filhos biológicos, essencial para a minha sanidade e felicidade – eu alimentei-me de esperança e ela manteve-me firme. Foquei-me no que me fazia bem. Concentrei as minhas energias de forma positiva e canalizei-as para o que era importante, centrei-me nos meus, na vida, no trabalho, no meu casamento, no amor e aproveitei ao máximo o tempo que a vida me deu.
O dia chegou, Outubro de 2018, um novo teste positivo. Estava feliz, mas cautelosa, o medo estava presente mas não queria ser tomada por ele. Estava grávida. Mas quando os outros ficavam eufóricos com a notícia, nós vivemos até ao último dia com um alegria contida. Sem muitas fotos, sem muitas partilhas.
Em Maio de 2018, tinha finalmente minha filha no peito. Ela chorou. E eu senti que era real: “sou mãe”. E chorei. “Tens-me aqui filha, sou tua, para sempre.”
Hoje quando os nossos olhos se encontram e ela me sorri, percebo que tinha de viver o que vivi para a Alice fazer parte das nossas vidas. Tinha de ser ela. Estávamos guardadas uma para a outra. Ela nasceu e eu nasci também! Nascemos para uma nova vida…»
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