Ângelo Rodrigues: Não o deveria ter feito. Foi de uma ignorância atroz»
Ângelo Rodrigues conta toda a verdade sobre a infeção grave que o deixou entre a vida e a morte. O ator revela que começou um tratamento de reposição hormonal no Brasil, mas que o «principio do fim» foi a decisão de o continuar, sozinho, em Portugal
Um ano depois de ter estado entre a vida e a morte, Ângelo Rodrigues conta toda a verdade sobre os dias de internamento e coma, que viveu no Hospital Garcia de Orta, devido a uma infeção grave generalizada numa perna. Até a este momento, o ator, de 33 anos, nunca tinha confirmado o motivo da infeção. Agora, Ângelo Rodrigues esclarece que começou um tratamento de reposição hormonal no Brasil, mas que o «princípio do fim» ficou a dever-se à decisão de continuar as injeções, sozinho, em Portugal.
O documentário Ângelo Rodrigues – Toda a História, exibido esta noite, dia 13 de setembro, na SIC, acompanhou os dias de recuperação de Ângelo Rodrigues desde o dia em que saiu do hospital, passando pelas as consultas de fisioterapia e contou com o testemunho de alguns profissionais de saúde.
«Muito se falou, mas ainda bem que estou aqui para contar como aconteceu», começa por dizer o ator, que não se lembra de quase nada do coma. «A expressão das pessoas era um indicador do estado que eu estava. Aos poucos contaram-me o que aconteceu».
Ângelo Rodrigues conta que quando começou a sentir-se mal, em 2019, procurou, primeiro, ajuda na farmácia. «Passei uma semana na expectativa de o antibiótico se manifestar, mas eu só piorava. Fui ao hospital, fizeram testes e análises e deram-me a possibilidade de ser acompanhado em casa. Um enfermeiro ia a minha casa uma vez por dia. Cheguei a um ponto em que estava só acamado. Continuei a trabalhar, quando já era visível que eu estava com um problema».
«Tiveram de abrir o meu corpo todo»
Mesmo doente, colocou o trabalho em primeiro lugar, até que não aguentou mais e vomitou durante umas gravações. Regressou ao hospital e foi-lhe diagnosticada uma infeção grave dos tecidos moles da coxa. A primeira cirurgia não demorou a ser realizada.
«Depois disso há um iate de amnésia, tiveram de abrir quase metade do meu corpo, tenho uma cicatriz que vai desde o topo da perna até quase ao gémeo. Tiveram de abrir o meu corpo todo, porque o tecido necrosado era tanto. Fiquei com pouco coisa a mais do que osso ou pele», diz.
Após a cirurgia, o estado de saúde de Ângelo Rodrigues foi considerado muito grave. Os médicos ponderam amputar-lhe a perna. Foi internado nos cuidados intensivos, em risco de vida, com várias falências, nomeadamente cardíaca e hepática.
«Durante os quatro dias em que eu estive em coma há uma imagem muito clara na minha cabeça. Eu estava num corredor escuro como se tivesse sido abandonado na escuridão. Sentia uma pressão na minha boca como se tivesse um anzol e no local havia portadas e elas abriam e fechavam, abriam e fechavam constantemente e eu só pensava: ‘a vida é só isto, a vida é suposto terminar aqui’», recorda emocionado.
Durante o longo internamento, Ângelo nunca conseguiu ter coragem para olhar para as pernas. Mas o pior, foi a fase em que precisada de fraldas. «Todas as necessidades eu fazia aqui [cama]. Todo o processo de tirar a fralda, viral de lado, limpar, algaliar», recorda, dizendo ter descido aos «confins da dignidade»: «para conseguir olhar para cima e valorizar muito mais a vida neste momento».
Ângelo Rodrigues perdeu tanto peso, que a balança voltou ao «mesmo de quando tinha 18 anos». Além disso, voltou a precisar dos cuidados da mãe. «Psicologicamente, chegar aos 32 anos e estar aos cuidados da mãe é voltar à infância. A minha mãe ajudava-me a levantar, a tomar banho…».
«O mau manuseamento de material que eu fiz em casa foi o que acabou por escalar a minha condição física»
Ângelo Rodrigues frisa que decidiu contar a verdade para que o erro que cometeu não volte a acontecer. «Estava a morar no Rio de Janeiro, sentia que as expetativas que eu tinha para a minha carreira não estavam como eu queria. Isso gerou alguns períodos de desalento, alguns pensamentos depressivos, falta de concentração, no fundo era uma angustia existencial. Com isto eu senti que precisava de ajuda. Até que houve um dia em que emocionalmente desabei. Esta felicidade que todos nós projetamos [nas redes sociais] não corresponde à realidade…»
«Foi aí que me falaram do tratamento de reposição hormonal. Procurei uma clínica, fiz testes ao sangue, acabou por confirmar-se que era uma descompensação no sistema endócrino. Iniciei o tratamento. Eu não tinha qualquer julgamento em relação ao tratamento que ia fazer, atentando que foi por questões de saúde… fiz os primeiros tratamentos na clínica, de injeção intramuscular. Depois, surgiu trabalho em Portugal e eu não queria parar o tratamento. E foi essa decisão que acabou por desencadear tudo o que aconteceu».
«Não tenho intensão de desculpar os meus erros. Tenho plena noção da magnitude do meu erro. Perguntei ao endocrinologista se podia continua o tratamento em Portugal e ele acedeu. Foi esta decisão de querer continuar este trabalho em casa que acabou por ser o princípio do fim. O mau manuseamento do material que eu fiz em casa foi o que acabou por escalar a minha condição física. Não o deveria ter feito. Não sendo profissional e sendo amador, foi de uma ignorância atroz».
«Foi mesmo do mau manuseamento do material, não foi sequer da validade do produto, ou a qualidade. Foi mesmo o ser eu profundamente ignorante e fazer o mau manuseamento que acabou por ditar o meu fim», volta a frisar.
Ângelo diz ainda que é preciso falar de «saúde mental» e faz uma retrospetiva do adolescente com «baixa auto-estima» que conseguiu ser ator. «Andamos muito distraídos, ainda vivemos no arquétipo do homem que é forte. Mas isso não é o retrato real… o facto de ficar com uma imagem visivelmente musculada no início da carreira foi uma ferramenta de compensação para uma grande lacuna: eu tinha de gostar de mim próprio, eu tinha de fortalecer a minha autoestima…».
Um ano depois de ter estado entre a vida e a morte, Ângelo Rodrigues está recuperado cumpriu o sonho de conseguir voltar a correr. Agora, sente que é um homem diferente que «não se deixa afetar por coisas que não consegue controlar».
Texto: Ricardina Batista; Fotos: Reprodução redes sociais e D.R
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