Eduardo Madeira assume dificuldade para fazer programa de Cristina Ferreira: “Violentíssimo”

Eduardo Madeira sente, depois de 20 anos de carreira, que o seu valor profissional está, finalmente, a ser reconhecido. O humorista, que dá cartas na TVI em Cristina ComVida e em Festa É Festa, abre o coração para falar sobre o seu percurso e não só.

Eduardo Madeira sente, depois de 20 anos de carreira, que o seu valor profissional está, finalmente, a ser reconhecido. O humorista, que dá cartas na TVI em “Cristina ComVida” e em “Festa É Festa”, abre o coração para falar sobre o seu percurso… e não só. Em entrevista, Eduardo Madeira assume que o seu talento não foi reconhecido “mais cedo por causa de decisões daqui e dali, com diretores disto e daquilo, com conhecimentos”, diz que se sente “numa espécie de topo de forma” e que, apesar de estar ao lado de Cristina Ferreira em “Cristina ComVida”, emitido ao final da tarde na TVI, ter ajudado a projetar o seu talento, o humorista não andou “escondido”. “Faço programas de humor em televisão há 15 anos. Mas tenho consciência que os programas que fiz não têm a projeção deste. Uma coisa é estar ao lado da Cristina, outra é não estar. O último programa que eu fiz [na RTP], o ‘Patrulha da Noite’, era o céu para mim, porque era um programa escrito por mim e por amigos meus e interpretado por mim e por amigos meus, mas era visto por 300 mil pessoas”, enumera. Mais: Adelaide, uma das personagens que Eduardo Madeira interpreta em “Cristina ComVida” e que é um fenómeno de sucesso, é a mãe do humorista “quando era nova”.

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Leia a entrevista completa a Eduardo Madeira:

NOVA GENTE: Venceu o Troféu Impala de Televisão de Melhor Ator/Humorista (por Patrulha da Noite), levando a melhor aos outros nomeados: Manuel Marques, César Mourão, Marco Horácio e Ricardo Araújo Pereira. Considera-se melhor humorista do que estes seus colegas?

Eduardo Madeira: Não, não. Acho que ter vencido tem a ver com o momento. Se quiser, mal comparado – ou até bem comparado -, é como os músicos. Quando lançam um disco novo, há canções que ficam no top, mas isso não quer dizer que os outros sejam piores ou que, daí a três meses, não estejam eles no top com uma canção que lançaram entretanto. O que não nos podemos esquecer é que, nesta vida artística, um momento bom pode ser efémero. Não podemos pensar que é para sempre. Mas claro que é bom ganhar. É sempre melhor ganhar do que perder (risos).

O Eduardo está nomeado há dez anos consecutivos.
É verdade. Penso que é um facto único. E já tinha ganhado noutros anos.

Sente que é o reconhecimento do trabalho que faz?
É ótimo. Eu digo sempre que os Troféus Impala são os Óscares portugueses. Deste género, não há outros iguais em Portugal.

Os seus colegas, que perderam o prémio para si, disseram-lhe alguma coisa?
O Marco Horácio deu-me os parabéns. Eu conheço-os a todos há muitos anos, sou amigo deles. Creio que todos, ou quase todos, me deram os parabéns. É tudo malta porreira.

Os Troféus Impala são os únicos em Portugal que distinguem o que se faz em televisão e quem trabalha em televisão. A classe artística que faz do pequeno ecrã a sua vida é suficientemente distinguida ou falta mais reconhecimento?
É sempre bom as pessoas verem o seu trabalho reconhecido. O que acontece é que, nos Estados Unidos, que é um país enorme, há muitos prémios, mas também é produzida muita coisa. Cá, é tudo mais pequenino, por isso, se calhar, é bom o reconhecimento do que se faz em televisão estar centralizado apenas nestes prémios. Agora, mesmo que haja uma certa tendência a não dar muita importância, as pessoas gostam de receber esses prémios e de ser reconhecidas. É como estava a dizer: é sempre bom ganhar ou, pelo menos, ser nomeado.

Luís Osório escreveu há dias que o Eduardo era um “humorista extraordinário”, mas que “por qualquer motivo não atingiu na sua carreira a projeção que o seu talento merecia”. Sente isso?
Foi a minha mulher [Joana Madeira] que me chamou a atenção para o que ele escreveu. Foi muito simpático e, se calhar… eu não tinha consciência disso, mas o que ele escreveu foi uma radiografia perfeita da minha vida e da minha carreira.

“Não reconheceram o meu talento mais cedo por causa de decisões daqui e dali”

Portanto, sente o mesmo?
Quando li, não me reconheci inteiramente. Mas, depois, analisei e acho que ele conseguiu pôr em palavras e racionalizar a minha lenta evolução, que passa, talvez, por eu ser um bocadinho anti-estrela, anti-vedeta. Como o Luís Osório disse, e bem, eu não gosto de me pôr em bicos dos pés, o que leva a que o reconhecimento seja um pouco mais lento. Sempre achei que, se tivesse de haver esse reconhecimento, ele podia aparecer agora, aos 90 anos, aos 30, aos 50. Vem quando tem de vir.

No seu caso, esse reconhecimento não ter aparecido mais cedo tem a ver com o quê?
Não reconheceram o meu talento mais cedo por causa de decisões daqui e dali, com diretores disto e daquilo, com conhecimentos. Quando eu comecei, não conhecia pessoas no meio… Mas também não me posso queixar porque houve sempre alguém que apostou em mim. O que acho que aconteceu é que tive uma evolução mais lenta, mas também mais sustentada, mais consistente. Aconteceu quando tinha de acontecer e nunca vivi apoquentado com isso. Sempre achei que o reconhecimento, se tivesse de vir, acabaria por aparecer.

Nunca ficou desanimado?
Às vezes, achava, e ainda acho, que não tenho aquilo a que se chama boa imprensa. Os jornalistas gostam de mim, mas nunca puxaram muito por mim. Eu não faça capa no Público (risos). Estive em capas em duas ocasiões: quando me casei com a Joana e quando fotografaram o meu rabo quando eu estava a mudar o fato de surf na praia (risos).

Quando diz isso, parece que os jornalistas não gostam de si. Aliás, não têm de gostar nem deixar de gostar.
Não digo que não gostam, até porque os trato com o máximo respeito. Não há nenhum jornalista, nenhum, que me possa dizer que eu o tratei mal ou que fui arrogante. Não há.

O facto de ter saído da RTP e assinado contrato com a TVI no início do ano para estar ao lado de Cristina Ferreira no “Cristina ComVida” ajudou a projetar o seu talento?
Acho que sim. Dou um exemplo: Há pessoas que me dizem que sou fantástico e me perguntam onde é que eu andava escondido. Isto, ao fim de 20 anos de carreira, é um pouco perturbante. Eu não andei escondido. Faço programas de humor em televisão há 15 anos. Mas tenho consciência que os programas que fiz não têm a projeção deste. Uma coisa é estar ao lado da Cristina, outra é não estar. O último programa que eu fiz [na RTP], o “Patrulha da Noite”, era o céu para mim, porque era um programa escrito por mim e por amigos meus e interpretado por mim e por amigos meus, mas era visto por 300 mil pessoas. Mas era o céu.

“O humor, na minha vida, não é negociável”

Um formato como o “Patrulha da Noite” cabe na TVI?
Espero que sim. Tenho esperança de um dia, não exatamente igual, mas de fazer um programa desses na TVI. O Patrulha era um programa popular, mas sem ser popularucho. Era um humor de circunstância, diria até inteligente, mas sem pretensões de ser intelectual, que agradava a toda a gente. Na RTP, mesmo sendo ao sábado à noite, começava às dez e tal e a essa hora, metendo eles o que quiserem, têm na concorrência, na SIC e na TVI, outros programas a bombar. A ideia nem era ganhar.

A sua carreira está intimamente ligada ao humor. A comédia foi um caminho natural ou resultado das oportunidades?
Eu vou ser muito honesto. O humor, na minha vida, não é negociável. Não foi a opção possível. Na minha vida, o humor é como o oxigénio, a água ou a comida. Eu teria de fazer sempre humor, nem que fosse de forma amadora. Eu percebi que não queria ser advogado quando dei conta que escrevia textos.

Quando estava nas Produções Fictícias, a escrever para os programas de Herman José?
Até mais cedo. O “chamamento” começa no colégio que eu frequentava em Coimbra, o Externato de São Luis Gonzaga. A minha professora metia-nos a ver filmes no ginásio do Charles Chaplin, no Buster Keaton, daqueles cómicos mais clássicos, e a seguir a vermos os filmes, eu reproduzia as cenas no recreio para os meus colegas. Também não era negociável, porque eles exigiam (risos). Eu fazia-o porque era natural para mim.

Mas vê-se noutro registo que não o de comédia?
Sim. Curiosamente, antes de vir para a TVI, tinha recebido uma proposta nesse sentido. Fui convidado para fazer um vilão numa série.

Pela RTP?
Não, não.

Então foi pela SIC.
Pode não ter sido. Pode ter sido a Netflix, a Fox, a Amazon, a Globo (risos). Não é isso que está em causa. O que interessa é que foi a primeira vez que eu vacilei muito e estive à beira de aceitar, porque um vilão é um desafio enorme para mim.

Porque não aceitou?
Já tinha outros compromissos, inclusivamente na RTP, e não podia fazer as duas coisas ao mesmo tempo.

Mas deixou de parte a intenção de interpretar um mau de uma história?
Não. E vai acontecer. Basta só que eu tenha disponibilidade e que apareça a proposta. Quando nos lançam estes desafios e os nossos neurónios ficam a borbulhar, é sinal que mexeu connosco. Pode ser que agora, na TVI, apareça uma proposta para eu fazer um vilão.

“Estou numa espécie de topo de forma”

Ainda assim, o humor é um porto seguro?
Nunca é. Penso que foi o Raúl Solnado que disse que ter graça ou é muito fácil ou é impossível. Eu sinto isso. Muitas pessoas dizem-me que eu não preciso de falar para elas se rirem. De facto, nós temos de ter qualquer coisa que provoque o riso, mas dentro da cabeça de um comediante há sempre uma voz que nos diz que podemos deixar de ter piada, para termos cuidado. Isso está cá dentro e mata-nos. Mas também nos obriga a não nos acomodarmos.

O tempo não o leva a ignorar essa voz?
Não posso. Se o fizer, deixo de me preocupar. Eu preciso de estar sempre preocupado, de achar que tenho de fazer coisas novas e que tenho de estar sempre a evoluir. Quando as pessoas começarem a rir-se das coisas que eu fiz e não do que estou a fazer, quero parar. Talvez dedicar-me mais à escrita e continuar como ator, mas em papéis mais selecionados. Um vilão, por exemplo. Espero ter essa noção. Eu não faço ideia da longevidade dos meus bonecos, mas não creio que, daqui a 20 anos, consiga ter a piada e a criatividade que tenho agora.

Por falar em mudanças, já disse que se deixou convencer pela Cristina depois de um namoro que durou algum tempo e porque era a altura de arriscar. Arriscar em que sentido?
Porque era muito confortável para mim estar a fazer os programas que estava a fazer. Tinha aquela base de apoio das 300 mil pessoas. Os que viam gostavam muito, mas faltava-me saber se eu sou suficientemente bom para fazer o mesmo para o dobro das pessoas. Isto era uma coisa que me moía e fazia-o agora ou já não fazia.

Porque?
Porque acho que estou numa espécie de topo de forma. Pensei mesmo que era agora ou nunca.

E conseguiu uma resposta para a sua dúvida?
(risos) Bem, podia ter corrido mal, mas está a correr bem.

“A Adelaide é a minha mãe quando era nova”

E agora temos a Adelaide, a Piedade, o Tó Russo… Tem um preferido?
Há uns que me fazem mais cócegas do que outros. A Adelaide é um fenómeno. O Tó Russo também.

São personagens que existem em si ou não têm nada a ver consigo?
Podem não ter nada a ver comigo. Vou contar um segredo e espero que a minha mãe não compre a vossa revista neste dia (risos), mas a Adelaide é a minha mãe quando era nova. Ela mata-me se lê isto.

A sua mãe não gosta dela?
Gosta!

É como a Adelaide, que não vê a TVI?
Vê, vê (risos). Mas também tem aquele lado de nem tudo lhe agradar. Não mostra facilmente os seus gostos. Os tiques da Adelaide são da minha mãe aos 35, 40 anos. Depois, se o Eduardo Madeira fosse taxista, era o Tó Russo. Agora, deixe-me dizer que é mais desafiante fazer personagens que estão longe de mim.

A Neuza da Inês Aires Pereira tem estado ao seu lado e também tem feito grande sucesso. Foi uma surpresa para o Eduardo?
Não. Eu já conhecia a Inês e acho-a muito engraçada. Nem toda a gente consegue fazer este trabalho porque vive muito de improviso e de, como se costuma dizer, não deixar cair a bola. A Inês consegue isso tudo e fá-lo muito bem. Além disso, é muito gira, muito fresca, e calha ali muito bem.

Levar a Inês Aires Pereira para o “Cristina ComVida” foi ideia sua ou da Cristina Ferreira?
Creio que foi da Cristina, mas como gosto muito da Inês, foi ótimo. E, na verdade, temos de dizer uma coisa: o que eu estou a fazer é uma loucura, é violentíssimo. Ainda no outro dia o Herman [José] me estava a dizer isso, que é de doidos estar todos os dias no ar com uma personagem diferente e ter de ter sempre piada. A Inês serve para eu poder respirar.

É por isso, para poder respirar, que quando a Inês vai ao programa o Eduardo se retrai? Ou é para lhe dar espaço?
É para lhe dar espaço, claro. Eu podia atirar-me de cabeça e tentar abafá-la, mas não teria lógica. Não preciso, muito honestamente, de estar a abafar uma jovem cheia de talento, que tem espaço para progredir imenso. Aliás, poderá haver espaço para aparecerem mais um ou dois colegas.

Além de estar no formato de Cristina Ferreira, tem ainda o Matateu de “Festa é Festa”, que surge na novela de forma pontual.
Pois, e eu não posso dividir-me muito, senão começa a ser difícil fazer tudo bem. Mas havia muita vontade que eu fizesse uma brincadeira na novela e o que é certo é que divirto-me imenso a fazer o Matateu. Só os bloopers valem a pena.

Vê a novela?
Esta sim. Eu não via novelas para aí desde a “Tieta” [de 1989, que passou em 1991 na RTP1]. “Festa é Festa” tem várias coisas que me agradam, entre elas ter vários amigos meus, desde os autores [Roberto Pereira e Eva Jesus] aos atores. Eu gravo poucas vezes, mas quando gravo é como ir ter com um clube de malta amiga. Adoro participar e ver porque me farto de rir. Além disso, é uma novela que não quer ser mais do que é e que está muito bem conseguida. O Bino [interpretado por Pedro Alves] é um português que todos nós temos na cabeça. O fantástico é que ele tem uma contenção fantástica. Nunca vai para o lado da palhaçada e isso é brutal.

“Os meus filhos foram todos muito desejados”

O seu contrato com a TVI é, pelo menos, até ao final do ano. Que outros projetos tem a TVI na calha para si?
Olhe, a minha ideia era fazer qualquer coisa relacionada com o humor, mas idealizada por mim. Mas eu comecei há pouco tempo o programa e estou completamente envolvido e a apostar nele. Nestes três meses de “Cristina ComVida”, podia ter corrido mais ou menos, podia ter corrido mal, podia ter corrido bem. Mas eu acho que, se não estou no fantástico, estou lá perto. Portanto, não quero estar a pensar noutra coisa e a meter o carro à frente dos bois.

Mudando de assunto, não foi só em termos profissionais que a sua vida mudou: a nível pessoal, a família cresceu. Como têm sido estes primeiros meses de Carolina?
Com menos horas de sono. Mas compensa. Ultimamente fala-se muito de não adotar animais para depois os abandonar. Eu estou absolutamente de acordo, mas isso funciona também, multiplicado por mil, com uma criança. Um bebé é muito dependente, absorve muita energia e dá muito trabalho. Portanto, não adotem nem façam um se não quiserem muito (risos). Não há mal nenhum em não querer bebés. Os meus filhos foram todos muito desejados, mas que dá muito trabalhinho, isso dá.

A Leonor [irmã, de oito anos] ajuda?
Ajuda. O meu filho mais velho tem 20 anos e está naquela fase em que gosta dela, mas é mais desprendido. A Leonor é de uma dedicação e de uma ternura com a irmã, que eu fico completamente desfeito. Eu não sei do que estava à espera, mas não era disto. Ela dá-lhe o biberão, passa muito tempo a dar-lhe beijinhos. É uma coisa de derreter o coração. Nós não sabíamos como ela ia reagir e tem sido ótima.

Não teve ciúmes?
Nada.

A terminar, podemos dizer que este é o ano da sua vida ou o melhor ainda está por vir?
Podemos dizer que este é o primeiro ano do resto da minha vida. Eu acho, acho, que estou só a começar, sabe? Até agora, tudo o que fiz, mas tudo mesmo, me preparou para eu chegar a este momento. Se eu tivesse chegado mais cedo, não teria feito as coisas tão bem. Mais tarde, seria tarde. Os anos de “Estado de Graça”, “Contemporâneos”, “Os Donos Disto Tudo”, o “5 para a Meia-Noite” foi tudo a preparar-me para o dia em que eu viria para a TVI. Ainda vamos ter muitas coisas de Eduardo Madeira. E de mais malta do humor, que eu quero juntar. Malta talentosa.

Que vai ter de ir buscar a outros canais.
(risos) Se calhar!

Texto: Ana Filipe Silveira; Fotos: Reprodução Instagram

Entrevista publicada na edição 2347 (de 1 de setembro de 2021) da revista Nova Gente

 

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