Rui Mendes “Fiz coisas que me devia ter arrependido”

Não fossem as pernas, que já o atraiçoam, ninguém diria que tem 87 anos.

Tem uma lucidez incrível, uma memória de fazer inveja a qualquer jovem de 50 e uma graça subtil que conserva. Rui Mendes é um dos grandes atores portugueses. É o eterno Duarte de Duarte & Companhia e isso não o chateia. Mas o seu currículo de 14 páginas fala por si. E tudo na sua vida teve um propósito. Até a Guerra Colonial.

Tens uma carreira longuíssima. Ficas um bocado incomodado quando te etiquetam ao “Rui Mendes do Duarte e Companhia”?

Não. Ainda aparecem pessoas que dizem: “Eu vi a estreia do Teatro Aberto e gostei muito”. Encontro pessoas na rua, nos restaurantes, nas lojas e nos centros comerciais que se lembram de outras coisas, não só do Duarte e Companhia.

Mas há papéis que se colam.

O Duarte e Companhia ainda hoje é um fenómeno. A primeira temporada começou em 1985 e fizemos 39 episódios ao longo de cinco séries, até 1989.

Apesar de teres aí essa cábula maravilhosa, um currículo de 14 páginas, tens uma memória prodigiosa. Os 87 anos sentem-se apenas nas maleitas normais que qualquer pessoa com a idade tem?

O que me custa mais é andar [risos]. Eu já não aceito trabalhar em teatro, porque não consigo estar um quarto de hora de pé. Mas a cabeça está boa. Só me esqueço de uns nomes, às vezes.

Deixa estar que eu também me esqueço e tenho 50. Mas tu tens uma memória prodigiosa. Lembras-te de coisas sem ter necessidade de recorrer à cabula.

Não é preciso decorar nada. Se a gente perceber o texto, sabemos que temos de dizer determinada coisa, porque o outro me perguntou.

Neste momento o que estás a fazer?

Estou a trabalhar ainda numa adaptação de uma peça que é a Anna nos Trópicos, que vai estrear-se no Teatro dos Aloés em março. A história acontece numa fábrica de charutos porque em Cuba, desde há mais de cem anos, há esta tradição. E nessas fábricas, normalmente, as pessoas que trabalhavam eram mulheres que não sabiam fazer mais nada e eram naquela época analfabetas. E então, surge a ideia de pôr um homem a ler romances ou receitas de cozinha, para entreter aquele trabalho chato. Ele escolhia o romance, e elas iam ouvindo. O leitor um dia aparece a ler a Anna Karenina, que é principalmente a história de um casal e isso vai cair que nem ginja numa família cubana da fábrica.

Não estás a fazer nada em televisão porque não quiseste ou porque não foste chamado?

Por opção. Estou um bocadinho frágil de saúde. Não tenho nenhuma doença grave, felizmente, mas tenho problemas neurológicos que me impedem o movimento.

Imagina que está aqui um botão vermelho em que tu carregavas, o tempo parava e tu podias escolher um momento na tua vida para voltares durante um minuto. A que momento voltavas?

Não carregava no botão.

Não tinhas qualquer curiosidade em voltar a um momento para te despedires de alguém ou para reviveres uma coisa boa que tivesses vivido?

Põe-me aqui 14 botões, porque já agora só um não chega [risos]. Mas não, não me arrependo de nada do que fiz. E fiz coisas que, se calhar, me devia ter arrependido.

Leia esta entrevista na sua NOVA GENTE desta semana. Já nas bancas.

Texto: Nuno Azinheira; Fotos: Helena Morais

Impala Instagram


RELACIONADOS