Na semana passada, Rui Sinel de Cordes, que entretanto já pediu desculpa, viu o seu nome em quase todos os meios de comunicação portugueses. Os motivos não foram os melhores, depois do humorista ter insultado uma espectadora durante o show de homenagem a Ricardo Vilão, ex-membro do grupo Lx Comedy Club que morreu. Os restantes membros, Rui Sinel de Cordes, Salvador Martinha e Luís Franco-Bastos reuniram-se e levaram a cabo o espetáculo ‘Morro Amanhã’, que não correu como o esperado.

Agora, num episódio do seu podcast, Ar Livre, Salvador Martinha quebrou o silêncio e falou sobre o sucedido. “Era suposto para ser um espetáculo bonito, para mim era humor poético”, disse, continuando: “Primeiros 50 minutos, como é que correu? Epá, excelente. Estava a correr bem, eu estava excitado por dentro, isto está a correr bem, eu lembro-me de ter pensado, temos aqui um formato. Os primeiros 50 minutos começam correr bem, depois eu não consigo precisar, não consigo, acho que foi progressivo, nós vamos ficando excitados ao longo do espetáculo, o Rui começou a ficar excitado…”, explicou.

“O Rui começa a excitar-se, normal, o Rui é intenso. Até chegou a ser elogiada a intensidade do Rui. O Bastos estava a falar, o Rui não deixava falar. Eu falava, o Rui não deixava falar, mas eu até aí estava bem e acho que o Bastos estava bem. Há ali um momento de loop, que eu acho que era o Bastos que estava a ter muita graça e ele estava a meio de uma história e ele interrompeu uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito vezes, não estava a deixá-lo e o Bastos sempre a brincar com ele, a apertar com ele. O Bastos nunca perdeu as piadas do príncípio ao fim da noite”, revelou o humorista que revelou que esta atitude do colega e amigo não lhe foi indiferente. 

“Aquilo irritou-me um bocado, irritou-me. Porque nós temos um alinhamento para seguir e aquilo não estava a fluir porque estavamos ali num loop de interrupções. Pronto, pensei: Isto é intensidade, loucura, siga. Às tantas, as pessoas do próprio público estavam a aperceber-se do nosso desconforto. As pessoas falaram por nós, é o que eu sinto. Começaram a dizer: ‘cala-te, cala-te, Rui deixa-os falar’. Mas na boa. E uma senhora, às tantas, diz ‘deixa-os falar’ e o Rui tem ali um momento de snap total. O que vivemos ali foi entre a chapada dos Oscares e aquela vez em que o Kramer enlouqueceu e carregou num gajo do público. O que é que eu acho que se possa ter passado? No meio de todas aquelas emoções e, era de facto, uma noite emotiva e que mexia com tanta coisa”, confidenciou durante o episódio a que chamou ‘Como inverter uma semana má’. 

“Eu, entretanto, até tinha partilhado com eles este pensamento. Malta atenção, nós somos um grupo de músicos que não tocamos à muito tempo juntos. Nós quando começarmos a falar, as primeiras notas vão ser um bocado enferrujadas, é natural que falhemos notas até ao fim. Até disse um exemplo, eu sou um piano, o Bastos é um violino, tu és um trompete. Vamos deixar ouvir, o piano, o violino, para ver onde o trompete vai entrar. O piano e o violino não se ouvia e só se ouvia um trompete. E o público reagiu ‘malta, também quero ouvir o piano e o violino’, foi isto que se passou”, continuou a relatar Salvador Martinha.

“O Rui passou-se e tem ali um momento em que descarrega uma energia super negativa, uma raiva, em cima de uma pessoa da plateia. Não vale a pena estar a repetir as palavras, porque foi um momento em que uma pessoa colapsou, acho que não estava lá totalmente quando fez aquilo. Eu até hoje acho que aquilo foi um blackout. Da uma hora até às duas horas e dez de espetáculo, acho que houve ali um blackout. Nós quando vivemos aquilo e, como estamos num espetáculo de humor e tudo o que estava para trás eram gargalhadas, tudo o que é dito num espetáculo de humor há ali um periodo em que parece que está a contar como humor”, contou, explicando ainda que a “senhora indignou-se, levantou-se, disse que isto era uma vergonha e saiu da sala com as quatro amigas e ficou um gelo na sala”. 

O humorista explicou ainda porque é que não deram o espetáculo por terminado naquele momento: “Nós, os humoristas e as pessoas do mundo do espetáculo estão treinadas para continuar. Fica ali uma leve linha, isto foi hunmor, não foi… com o tempo percebemos que não é um momento de humor, que é um colapso de uma pessoa que estava em palco. Isto é diferente de acontecer, estavamos os três a beber um copo, o Rui passava-se e dizia isto, claro que nós pegávamos nele, punhamo-lo lá fora, iamos atrás da senhora, pediamos desculpa e ainda diziamos vai lá pedir desculpa. Agora, aquilo passa-se num palco, em 20 segundos”. 

A um certo momento do espetáculo, tal como revelou, Salvador teve mesmo de dizer a Rui Sinel de Cordes: “Deixa-me falar, caralho”. Isto já depois do incidente que acabou por manchar a atuação do grupo. Ainda assim, “no final, tivemos uma standing ovation de sete minutos, completamente desproporcional à qualidade do espetáculo. Nunca tinha visto uma coisa assim”. 

“Saimos do espetáculo, o Rui não se tinha apercebido logo. Nós explicamos-lhe que tinha corrido mal e aí ele iiniciou um processo de perceber o que tinha feito.  Dormimos todos mal, no dia a seguir o Rui mandou-nos um aúdio a pedir desculpa. A nossa percepção do que se passou foi mudando. (…) Falhámos redondamente. Falhamos naquilo que era a nossa missão, que era homenagear um amigo. A noite não foi sobre o Ricardo Vilão, a noite, no dia a seguir, foi sobre o Rui. Isto magoou-me, chateou-me, enraiveceu-me”

Salvador Martinha pediu ainda desculpa a todos as pessoas que foram aos espetáculo e contou que o grupo pediu desculpa a Ana, o nome da mulher ofendida durante o espetáculo, que é terapeuta e ainda desejou ‘boa sorte’ a Rui Sinel de Cordes.

Texto: Tiago Miguel Simões; Fotos Impala

Siga a Impala no Instagram