O que diz a Ciência sobre a decisão de Carlos III de deixar de comer carne vermelha?

Depois de diagnosticado com cancro – e ainda sob rígidas medidas de controlo – Carlos de Inglaterra retira da dieta a carne vermelha. A medida é acertada? Saiba o que responde a Ciência.

O que diz a Ciência sobre a decisão de Carlos III de deixar de comer carne vermelha?

A decisão do rei Carlos de cortar da dieta a carne vermelha após o tratamento do cancro gerou um frenesim de interesse no efeito potencial do que comemos nos resultados do cancro e em como as pessoas recuperam após o diagnóstico.

Professor de Ciências Biomédicas da Universidade Anglia Ruskin, Justin Stebbing esplica-nos que “embora os detalhes específicos do diagnóstico e tratamento do rei permaneçam privados, os seus ajustes alimentares alinham-se com crescentes evidências que sugerem que a nutrição desempenha um papel crucial na “sobrevivência” ao cancro”. Ou seja, “viver com a doença após o diagnóstico e, em alguns casos, esperançosamente, ser curado”.

Ainda que “estejamos a melhorar muito” no diagnóstico e no tratamento do cancro, os estudos indicam também que “a dieta pode influenciar o prognóstico do cancro”. No entanto, adverte o cientista biomédico, “a evidência é mais forte para alguns tipos de cancro do que para outros”.

O efeito da carne vermelha em sobreviventes de cancro

Uma revisão sistemática de estudos permite concluir que “maior ingestão de alimentos de origem vegetal está associada a um prognóstico melhorado em sobreviventes de cancro”. Para sobreviventes de cancro colorretal, um prognóstico melhor, “incluindo qualidade de vida melhorada“, observou-se “naqueles cujas dietas incluíam grão integral e fibras“.

Sobreviventes de cancro da mama apresentaram melhores resultados com maior consumo de “frutas, vegetais e fibras, bem como ingestão moderada de soja“. Em sobreviventes de cancro da próstata, “maior ingestão de vegetais também está associada a um prognóstico mais favorável“. A decisão de reduzir o consumo de carne vermelha, em particular, é “apoiada por evidências científicas“.

Carne vermelha, “especialmente processada, tem sido associada a um risco aumentado de certos tipos de cancro, em particular o cancro colorretal“. A Organização Mundial da Saúde classificou a carne vermelha como “provável cancerígeno” e a processada, há quase uma década, como comprovadamente cancerígena”.

Estudos mais recentes lançaram luz sobre os mecanismos por trás desta ligação, sugerindo que o ferro presente na carne vermelha pode ativar a enzima telomerase, que “pode ajudar as células cancerígenas a espalharem-se”, certifica Justin Stebbing.

Embora grande parte da investigação sobre dieta e cancro se tenha concentrado, “compreensivelmente, na prevenção”, existem agora evidências crescentes de que “as escolhas alimentares após o diagnóstico também podem afetar os resultados”.

“Um estudo do Nurses’ Health Study descobriu que sobreviventes de cancro de mama que diminuíram a ingestão total de frutas e vegetais numa ou mais porções por dia após o diagnóstico obtiveram um risco 14% maior de morte. Isto sugere que manter ou aumentar o consumo de alimentos vegetais após um diagnóstico pode ser benéfico e parece aplicar-se a outros tipos de cancro.”

O efeito da dieta nos resultados do cancro pode variar “dependendo do tipo e estágio do cancro”. Por exemplo, um estudo chinês indicou que “o consumo de nozes está associado a um risco reduzido de até 50% de recorrência, metástase ou morte por cancro da mama”, com a associação a ser mais evidente “entre pessoas com cancro de mama em estágio inicial“.

A ênfase em alimentos de origem vegetal na sobrevivência ao cancro não reside em evitar simplesmente danos potenciais de certos produtos de origem animal. Alimentos vegetais são ricos em antioxidantes, fibras e outros compostos benéficos que “podem ajudar a combater danos celulares, reduzir inflamações e promover a saúde geral”. Também contribui para um microbioma saudável – “micróbios que vivem nos nossos corpos conhecidos por serem importantes para muitos aspetos da nossa saúde”, explica Stebbing.

Embora estejamos “apenas a começar a entender muitos destes processos e como eles funcionam em associação”, o Instituto Americano de Pesquisa do Cancro recomenda que os sobreviventes do cancro consumam “diariamente uma variedade de alimentos ricos em antioxidantes para diminuir o risco de um segundo cancro ou de disseminação”.

“É crucial, contudo, perceber que a dieta é apenas uma peça do quebra-cabeça quando se trata de sobreviver ao cancro. Atividade física, manter um peso saudável e evitar o tabaco e o consumo excessivo de álcool são fatores realmente importantes.”

Diversos estudos relataram que “a atividade física após o tratamento pode fornecer muitos benefícios à saúde de pacientes com cancro”. A investigação liderada por Justin Stebbing “sugere que a gordura corporal elevada é um alerta de resultados negativos em sobreviventes de câncer da mama, para dar um exemplo”.

O crescente corpo de evidências que apoiam o papel da dieta na sobrevivência ao cancro levou ao desenvolvimento de intervenções de estilo de vida que combinam componentes de dieta com atividade física. “E, claro, ter uma dieta saudável contribui também para a aptidão física. Tudo isto está interligado. Estas intervenções são vistas como uma estratégia realmente importante para melhorar o prognóstico e a qualidade de vida entre os sobreviventes da maioria dos tipos de cancro”, afirma.

Alterações na dieta devem ser feitas com cautela

Embora a decisão do rei Carlos de reduzir o consumo de carne vermelha pareça estar de acordo com evidências científicas, “é importante notar que mudanças drásticas na dieta devem ser abordadas com cautela e sob orientação profissional”, adverte Stebbing. “Também é importante aproveitar a vida”, aligeira.

“Alguns médicos enfatizam que não é recomendado remover nenhum grupo alimentar principal ou fazer grandes mudanças na dieta sem orientação personalizada de uma equipa multidisciplinar, incluindo um nutricionista credenciado”, alerta. “E isto é particularmente importante para pessoas em tratamento de cancro, pois terapias como quimioterapia podem afetar o apetite, alterar o paladar e causar problemas digestivos.”

Para o público em geral, a mensagem é a de que “uma dieta saudável e equilibrada, rica em alimentos vegetais, pode ser benéfica tanto para a prevenção do cancro como para a sobrevivência”. Ao mesmo tempo, porém, “os efeitos são muito pequenos”. “O que não quer dizer necessariamente eliminarmos a carne, mas, antes, colocarmos enfoque no aumento do consumo de frutas, vegetais, grãos integrais, legumes e nozes, enquanto limitamos a ingestão de carnes vermelhas e processadas.”

As diretrizes atuais “sugerem que pessoas com boa saúde e as diagnosticadas com cancro não devem consumir mais do que 350 a 455 gramas de carne vermelha magra, cozida, por semana“.

Os benefícios de uma dieta saudável vão para lá dos resultados do cancro. Uma dieta “rica em alimentos vegetais e pobre em alimentos processados ​​está associada à redução do risco de outras doenças crónicas”, como “cardíacas, diabetes e obesidade”. Isto é particularmente relevante para sobreviventes de cancro, que podem estar em risco elevado de morte prematura, não apenas devido ao cancro primário, mas também a outras doenças crónicas que possam ter” – as chamadas comorbidades.

Em geral, embora as mudanças na dieta do rei Carlos “pareçam ser um passo na direção certa” com base nas evidências atuais, “é importante sublinhar que as necessidades individuais variam; cada pessoa é um caso único”.

Os sobreviventes de cancro “devem trabalhar em estreita colaboração com a sua equipa de saúde, incluindo nutricionistas”, para desenvolver um “plano nutricional personalizado que tenha em consideração o seu tipo específico de cancro, histórico de tratamento e estado geral de saúde”, aconselha Justin Stebbing, professor de Ciências Biomédicas da Universidade Anglia Ruskin.

The Conversation

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