Por que motivo o vinho tinto causa dores de cabeça?

Relatos médicos de dores de cabeça provocadas pelo vinho tinto remontam aos tempos romanos , mas a experiência é provavelmente tão antiga quanto a vinificação.

Por que motivo o vinho tinto causa dores de cabeça?

Relatos médicos de dores de cabeça causados pelo consumo de vinho tinto remontam aos tempos romanos, mas a experiência é provavelmente tão antiga quanto a vinificação – algo como 10.000 anos. Enquanto químico especializado em vinificação, “queria tentar descobrir a fonte destas dores de cabeça”, explica André Waterhouse, professor de Enologia da Universidade da Califórnia.

Muitos dos componentes do vinho tinto “foram acusados ​​de causar esta miséria – sulfitosaminas biogénicas e tanino são os mais populares”. “A nossa investigação sugere no entanto que o culpado mais provável é algo que nenhum de nós não estava a considerar.

Os suspeitos do costume

Por que motivo o vinho tinto causa dores de cabeça?
Os sulfitos têm sido o bode expiatório mais popular para todos os tipos de doenças desde que se tornou obrigatório, na década de 1990, rotulá-los em vinhos. Mas serão de facto eles os responsáveis pelas ressacas e dores de cabeça?

Os sulfitos têm sido um bode expiatório popular para todos os tipos de doenças desde que se tornou obrigatório, na década de 1990, rotulá-los em vinhos. No entanto, “não há muitas evidências que liguem os sulfitos diretamente às dores de cabeça, e outros alimentos contêm níveis comparáveis ​​ao vinho sem os mesmos efeitos”. Os vinhos brancos  “contêm também a mesma quantidade de sulfitos que os vinhos tintos e não causam o mesmo efeito”.

O nosso corpo produz “cerca de 700 miligramas de sulfitos diariamente, à medida que metabolizamos a proteína nos nossos alimentos e expulsa-a como sulfato. “Os compostos sulfito oxidases criam sulfato a partir do sulfito – os 20 miligramas numa taça de vinho dificilmente sobrecarregam os nossos sulfitos oxidases.”

Algumas pessoas apontam o dedo às dores de cabeça causadas pelo vinho tinto “por causa das substâncias aminas biogênicas”. Tara-se de substâncias “nitrogenadas, encontradas em muitos alimentos fermentados ou estragados, e podem causar dores de cabeça” – e “a quantidade existente no vinho é muito baixa para provocar quaisquer problemas”.

O tanino também é um bom palpite, já que os vinhos brancos “contêm apenas pequenas quantidades, enquanto os tintos contêm quantidades mais substanciais”. Tanino é um “tipo de composto fenólico, encontrado em todas as plantas e desempenha geralmente um papel na prevenção de doenças, resistindo à ‘predação’ ou encorajando a dispersão de sementes por animais”.

“Mas há muitos outros compostos fenólicosna casca e nas sementes das uvas –, além do tanino são usados ​​nos vinhos tintos a partir do processo de vinificação que não estão presentes nos brancos. Ou seja, qualquer um deles pode ser um candidato a culpado pelas dores de cabeça.”

O tanino “também é encontrado em muitos outros produtos comuns, como chá e chocolate, que, por norma, não causam dores de cabeça”. Além disso, “os fenólicos são bons antioxidantes e é muito improvável que desencadeiem a inflamação que causa dor de cabeça”.

A química de uma ressaca

O metabolismo do álcool acontece em duas etapas. Primeiro, o etanol é convertido em acetaldeído. Então, a enzima ALDH converte o acetaldeído em acetato, uma substância comum e inócua
O metabolismo do álcool acontece em duas etapas. Primeiro, o etanol é convertido em acetaldeído, substância comum e inócua. O pior vem com a segunda etapa…

Algumas pessoas ficam com a pele vermelha e ruborizada ao beber álcool. O rubor é “normalmente acompanhado de dor de cabeça“. “Esta dor é causada por uma etapa metabólica lenta, pois o corpo decompõe a bebida”, nota André Waterhouse.

O metabolismo do álcool “acontece em duas etapas”. Na primeira, “o etanol é convertido em acetaldeído”. “A partir daqui, a enzima ALDH converte o acetaldeído em acetato, substância comum e inócua. Esta segunda etapa “é mais lenta para pessoas que têm a pele avermelhada, já que a sua ALDH não é muito eficiente”. Indivíduos com esta condição, “acumulam acetaldeído, um composto um ligeiramente tóxico também ligado às ressacas“.

Ou seja, se algo único no vinho tinto pudesse inibir a ALDH, desacelerando esta segunda etapa metabólica, isso levaria a níveis mais altos de acetaldeído e dor de cabeça? “Para tentar responder a esta pergunta, examinámos a lista de fenólicos abundantes no vinho tinto. Analisámos um artigo para demonstrar que a quercetina é um bom inibidor de ALDH, pois a quercetina é um composto fenólico encontrado nas cascas das uvas e como tal muito mais abundante em vinhos tintos do que em brancos porque as cascas das uvas vermelhas são deixadas durante mais tempo no processo de fermentação do que as das uvas brancas.”

Enzimas colocadas à prova

Por que motivo o vinho tinto causa dores de cabeça?
Os testes enzimáticos “sugerem que a quercetina glucuronida interrompe o metabolismo do álcool no corpo” – a má notícia, portanto…

“Testar ALDH foi o próximo passo”, descreve Waterhouse. “Fizemos um teste de inibição em tubos de ensaio e medimos a rapidez com que a enzima ALDH quebra o acetaldeído. Depois, adicionámos os inibidores suspeitos – quercetina e outros fenólicos que queríamos testar – para ver se eles retardavam o processo.”

Estes testes “confirmaram que a quercetina era um bom inibidor”. “Alguns outros fenólicos tiveram efeitos variados, mas o glicuronídeo de quercetina foi o vencedor”. “Quando o nosso corpo absorve a quercetina de alimentos, ou vinho, a maior parte é convertida em glicuronídeo pelo fígado, para eliminá-la rapidamente do corpo.”

Os testes enzimáticos “sugerem que a quercetina glucuronida interrompe o metabolismo do álcool no nosso corpo”. Esta interrupção significa portanto que “acetaldeído extra circula e causa inflamação e dores de cabeça”. A descoberta aponta para o que é conhecido “como efeito secundário ou sinérgico“.

Se quer garantir uma dor de cabeça, “procure um vinho tinto mais leve e mais barato”

Estes efeitos secundários “são muito mais difíceis de identificar porque devem estar dois fatores em jogo para que o resultado surja”. “Neste caso, outros alimentos com quercetina não estão associados a dores de cabeça. Por isso não considerávamos inicialmente a quercetina como causa do problema do vinho tinto.”

O próximo passo foi servir a sujeitos humanos “dois vinhos tintos com baixo e alto teor de quercetina e perguntar se algum deles causou dor de cabeça”. “Se o vinho com alto teor de quercetina induzisse mais dores de cabeça, saberíamos que estávamos no caminho certo.”

Por último, uma outra questão. “Se a quercetina causa dores de cabeça, há vinhos tintos sem ela? Infelizmente, os dados disponíveis sobre vinhos específicos são muito limitados para fornecer qualquer conselho útil. No entanto, uvas expostas ao sol produzem mais quercetina e muitos vinhos tintos baratos são feitos de uvas menos expostos luz solar”, diz. Resumindo, se estiver na disposição de arriscar, “procure um vinho tinto mais leve e barato”, desafia André Waterhouse, professor de Enologia da Universidade da Califórnia.

The Conversation

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