Coreógrafo moçambicano Ídio Chichava diz que país “não está bom”

O bailarino e coreógrafo moçambicano Ídio Chichava disse hoje que o país “não está bom”, defendendo o “papel fundamental” dos artistas para direcionar a sociedade face à crise pós-eleitoral que degenerou em protestos e confrontos.

Coreógrafo moçambicano Ídio Chichava diz que país

“Ser sincero e dizer o que realmente pensamos da situação atual, é muito simples assim, ser só sincero. A sociedade não está boa, Moçambique não está bom, então como artistas, como moçambicanos, no nosso seio, até onde podemos influenciar pessoas, sermos sinceros e dizer que o país não está bom, é só isso e esse é um papel fundamental”, disse Ídio Chichava, em entrevista à Lusa.

No coração de Maputo, onde reflete sobre o seu país mergulhado numa crise pós-eleitoral, com manifestações de contestação aos resultados eleitorais que rapidamente desembocaram em confrontos com a polícia, o vencedor do prémio Salavisa European Dance Award da Fundação Calouste Gulbenkian olha para um Moçambique “fragmentado”.

“A verdade é que a sociedade é fragmentada e os artistas, de certa forma, têm um papel fundamental”, disse Chichava.

“Temos holofotes sempre virados para nós artistas, para nós que falamos para as massas, que cantamos, dançamos, esse é o apelo fundamental: continuar a dançar e espelhar o que acontece na sociedade moçambicana”, acrescentou o bailarino moçambicano.

Idio Chichava fez carreira em França e regressou a Moçambique, onde se tornou diretor artístico da companhia Converge+, que promove o ensino gratuito da dança junto de comunidades locais, investe em produções multidisciplinares e criações colaborativas.

No centro de Maputo, onde ensaia com palavras de resistência na camisata, atribui à arte uma responsabilidade na “construção da sociedade moçambicana” através do uso do corpo, criticando na sequência o cerceamento das liberdades fundamentais no país.

“Para mim, vendo a forma como a expressão do corpo ou das nossas opiniões começam a diminuir ou a ser mais perigosas [para] nos expressarmos ou tecer nossas opiniões, isso influencia muito na perspetiva do artista moçambicano, mas, de todas as formas, continuo a dizer, vamos resistir”, defendeu, indicando que a dança deve continuar como forma de protesto, sobretudo nas ruas de Maputo.

“O que está a acontecer, não vou esconder, muitas das manifestações que vimos são muito inspiradas em ‘performances’, vimos muitas formas de cânticos que representam a situação de hoje, vemos algumas representatividades de dança, é tudo em forma de arte”, explicou o artista.

Mesmo diante de uma crise, Ídio consegue reunir, diariamente, mais de 25 artistas da sua companhia, com a convicção de que a dança “deve continuar”.

“Vamos continuar a dançar porque devemos continuar como sociedade, continuar com nossas convicções, a ir atrás dos nossos sonhos, que acredito que é como o meu, que é ter um lugar, um ambiente que seja favorável e melhor para viver”, concluiu.

Idio Chichava e a artista anglo-ruandesa Dorothée Munyaneza são os vencedores da primeira edição do Salavisa European Dance Award, no valor de 150 mil euros, anunciou a Fundação Calouste Gulbenkian.

O prémio, entregue em 27 de novembro, em Lisboa, distingue artistas de todo o mundo “com talento ou qualidades especiais que mereçam ultrapassar as suas fronteiras nacionais”, visando apoiá-los na projeção internacional, segundo a organização, referindo que os vencedores irão partilhar 150 mil euros.

O júri destacou o seu trabalho como “uma afirmação poderosa da energia coletiva e do desejo de criar e coexistir”.

O reconhecimento do trabalho de Ídio Chichava chega numa altura em Moçambique, sobretudo Maputo, vive uma crise pós-eleitoral, com o candidato presidencial Venâncio Mondlane, que não reconhece os resultados eleitorais anunciados, a apelar a uma série de contestações, após a Comissão Nacional de Eleições ter apontado a vitória de Daniel Chapo e da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) na votação de 09 de outubro.

PYME // JMC

By Impala News / Lusa

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