Rituais, uma árvore sagrada e a igreja mais antiga a sul do Equador no Mbanza Congo

Mbanza Congo, cidade onde se cruzam vestígios da colonização portuguesa e do antigo reino do Congo, onde existe o único património angolano inscrito na lista da UNESCO, mantém vivos rituais e tradições através das autoridades tradicionais.

Rituais, uma árvore sagrada e a igreja mais antiga a sul do Equador no Mbanza Congo

Afonso Mendes, 82 anos, representante dos reis do Congo, é o atual guardião máximo desta tradições, liderando os “mais-velhos idóneos” que tratam dos assuntos da cultura e das comunidades nesta região da província do Zaire, no norte de Angola.

Mbanza Congo, cidade que já teve cinco nomes e que foi São Salvador do Congo no tempo colonial, é também a capital onde se instalaram os antigos reis do Congo, que ali fixaram residência no século passado num palácio atualmente transformado em museu.

“Tem grande importância a nível de África, foi onde nasceu a primeira civilização, na cidade fundada por Nimi Alukeni, antes da chegada de Diogo Cão em 1482 à foz do Rio Zaire”, salientou o “mais-velho” numa visita guiada pelo centro histórico da cidade.

No exterior do Museu Regional do Reino do Kongo, encontra-se um dos pontos mais emblemáticos:  a “milenar” árvore Yala Nkuu, que, segundo Afonso Mendes, não se encontra em nenhum outro sítio: “se levar a semente, não vai germinar”, garante.

A árvore servia de local de reunião para o rei que ali juntava os seus conselheiros e desejava boas-vindas aos visitantes, fazia julgamentos e promulgava leis, mas está também ligada a aspetos espirituais, adivinhando-se tragédias quando um galho verde cai.

“É uma árvore mística, tem poderes. Os portugueses quando chegaram encontraram já esta árvore, não se pode cortar, nem ferir, nem tirar folha verde”, disse, alertando para os maus prenúncios dos galhos verdes caídos, sobretudo tratando-se de altas individualidades, situação que exige “de imediato um ritual tradicional”, sob pena de acontecer uma desgraça.

Recomendações que são até hoje cumpridas à risca pelas entidades angolanas que não hesitam em chamar as autoridades tradicionais para fazerem o ritual – que incluía sacrifícios nos tempos antigos – caso se verifiquem incidentes.

Afonso Mendes conta que quando começou a guerra, os portugueses quiseram abrir uma estrada e cortaram um dos troncos desta árvore sagrada que verteu “muita seiva da cor do sangue”, causando comoção entre os populares.

Uns metros à frente, vê-se o que resta da catedral de São Salvador do Congo, conhecida como Kulumbimbi, construída entre maio e junho de 1491, “graças ao trabalho de mil congueses”.

Segundo as lendas locais, foi erguida numa noite e já era um local de culto antes da chegada dos missionários que ali batizaram o primeiro rei – Nzinga-a-Nkuwuk, que adotou o nome de D. João — e no mesmo dia deram início à construção do templo.

Com 33 metros de comprimento e 15 de largura, é talvez o monumento mais conhecido de Mbanza Congo, mas a envolvente desmerece a sua dignidade histórica.

As paredes quinhentistas de tom ocre, tal como a omnipresente poeira que cobre a cidade, “pintando” habitantes, árvores e edifícios com a mesma coloração amarelada, surgem desfiadas por um contrastante altar pintado de branco, ali pousado como um corpo estranho.

No exterior, surge também de forma extemporânea a campa recente de um bispo católico como uma excrescência saída das paredes.

No cemitério dos reis do Congo encontram-se os reis batizados e que morreram no poder, incluindo o último, D. António III Gama, falecido em 1957. Pedro IX, que lhe sucedeu foi o último manicongo (título de governante) a reinar de setembro a outubro de 1962, já em plena guerra colonial, seguindo-se a regência de Isabel Maria da Gama até a realeza titular do Congo ser abolida, após a independência de Angola, em 1975.

A entrada no cemitério exige um ritual em que se homenageiam os ancestrais com ofertas de maruvo (vinho de palma) e cola, o que foi cumprido pela equipa da Lusa que ali foi acompanhada por Afonso Mendes e sua corte de conselheiros.

Praticamente cego, o representantes dos reis segue apoiado no seu Nkau, bastão que simboliza o poder, até à campa que se encontra no meio do cemitério, onde a corte se dispõe em semicírculo e Afonso Mendes faz as suas evocações, dando de beber aos antepassados e pedindo a bênção para os visitantes.

Um curioso edifício cilíndrico desperta a atenção. Trata-se da campa de um desafortunado rei que não deixou descendência e foi castigado com esta forma de sepultamento pouco habitual.

Afonso Mendes, repositório de saberes e da cultura do Congo tem também responsabilidades na gestão de conflitos de terras, acusações de feitiçaria e outras questões de justiça que são julgadas no lumbu, um tribunal consuetudinário, onde têm assento 24 conselheiros, incluindo dez mulheres.

 

*** Raquel Rio (texto) e Ampe Rogério (fotos), da agência Lusa ***

RCR // JMC

By Impala News / Lusa

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