Concorrência alega decisão “cristalina” de tribunal europeu para pedir condenação dos bancos

A Autoridade da Concorrência defendeu hoje em tribunal que, após a decisão “cristalina” da Justiça europeia, devem ser confirmadas as coimas superiores a 200 milhões de euros aplicadas aos bancos por troca de informação sobre créditos.

Concorrência alega decisão

O julgamento do processo conhecido por ‘cartel da banca’ tem esta semana a sua fase final, estando hoje a decorrer, no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (em Santarém), as alegações dos bancos sobre o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). A leitura da sentença está agendada para sexta-feira.

Hoje, nas alegações após a decisão de julho do tribunal europeu, que admitiu que a troca de informações “pode constituir uma restrição à concorrência por objeto”, a Autoridade da Concorrência considerou que essa sentença foi “cristalina, assertiva”, sem ambiguidades, pelo que, perante isso, o tribunal nacional tem condições para confirmar as multas que aplicou em 2019.

“Perante estas conclusões irrefutáveis, o tribunal está em condições de confirmar na íntegra a decisão da Autoridade da Concorrência e não há como não secundar a Autoridade da Concorrência quanto à forma como a infração era configurada, por objeto. […] O tribunal tem todas as condições para confirmar na íntegra a decisão da Autoridade da Concorrência”, disse a defesa do regulador.

Desde outubro de 2021, decorre no Tribunal da Concorrência o julgamento de recurso de 11 bancos dos multados, em 2019, pela Autoridade da Concorrência (AdC) pela prática concertada de troca de informação sensível no crédito.

Segundo o regulador, entre 2002 e 2013, mais de 10 bancos partilharam informação entre si, nomeadamente tabelas das taxas ‘spreads’ (margem de lucro comercial) a aplicar aos créditos a clientes (habitação, consumo e a empresas) e os volumes de produção, tendo-os multado no total em 225 milhões de euros.

No processo, que teve origem num pedido de clemência apresentado em 2013 pelo Barclays, a AdC condenou a Caixa Geral de Depósitos (CGD) ao pagamento de 82 milhões de euros, o Banco Comercial Português (BCP) de 60 milhões, o Santander Totta de 35,65 milhões, o BPI em 30 milhões, o Montepio em 13 milhões (coima reduzida em metade por ter aderido ao pedido de clemência), o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria em 2,5 milhões, o BES em 700.000 euros, o Banco BIC em 500.000 euros, o Deutsche Bank (cuja infração prescreveu em outubro de 2020) e a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo em 350.000 euros cada um. Já à Union de Créditos Inmobiliarios coube um pagamento de 150.000 e ao Banif (que não recorreu) de mil euros.

O Abanca, também visado no processo, viu a infração prescrever ainda na fase administrativa e o Barclays, que apresentou o pedido de clemência, viu suspensa a coima de oito milhões de euros.

Em abril de 2022, a juíza Mariana Gomes Machado deu factos como provados, que os bancos trocaram entre si informação sobre preços/taxas (atuais e futuras) que não eram do domínio público ou que eram de difícil acesso e sistematização, que partilhavam valores mensais de produção e que esta troca de informação, ocorrida num mercado relativamente concentrado, “facilitou o alinhamento” e permitiu o “estabelecimento de uma coordenação informal entre as instituições bancárias”.

Contudo, ao mesmo tempo, decidiu suspender a instância e remeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) para que este se pronunciasse sobre se os factos constituíram restrição de concorrência por objeto, por não ter ficado provado se a troca de informação teve ou não efeito sobre os consumidores.

Em julho deste ano, o tribunal europeu admitiu que a troca de informações mantida pelos bancos durante mais de uma década “pode constituir uma restrição à concorrência por objeto” e que “basta que essa troca constitua uma forma de coordenação que, pela sua própria natureza, seja necessariamente (…) prejudicial ao correto e normal funcionamento da concorrência”.

Segundo o TJUE, para que um mercado funcione em condições normais, “os operadores têm de determinar de forma autónoma a política que tencionam seguir e têm de permanecer na incerteza quanto aos comportamentos futuros de outros participantes”.

Após esta interpretação do tribunal europeu, cabe agora ao Tribunal da Concorrência decidir se os factos são ou não uma “restrição por objeto” – geralmente os tribunais nacionais seguem o entendimento do tribunal europeu – e decidir as coimas a aplicar aos factos provados (se se mantêm ou são revistos os valores da Autoridade da Concorrência).

Ainda hoje, logo no início da sessão do julgamento, a juíza deu conta de que vários bancos (BBVA, BPI, BCP, Santander e CGD) apresentaram requerimentos para admissão de pareceres, sobretudo quanto a prescrições, tendo Mariana Gomes Machado dito que teria tempo de os ler até sexta-feira (data da sentença) mas que não haveria tempo para os contraditórios.

O procurador do Ministério Público, Paulo Vieira, considerou que “requerimentos entrados à 25ª hora”, num processo já longo, “são pouco compreensíveis” e que o objetivo parece ser “obstar a que Autoridade da Concorrência e o Ministério Público possam exercer o contraditório na sua plenitude”.

O advogado da CGD pediu a palavra para dizer que, no caso do banco público, “o objetivo não é evitar contraditório” mas acautelar que esses pareceres podem ser juntos ao processo mesmo que em fase de recurso da sentença de primeira instância e disse que o requerimento deste banco não é só sobre prescrições mas também sobre questões de direito.

Após troca de ideias com advogados dos bancos, a juíza decidiu admitiu os pareceres e que esses farão parte de eventuais recursos e que aí haverá lugar ao contraditório.

IM/DA // JNM

By Impala News / Lusa

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