Milhares de doentes estão a perder benefícios fiscais devido a nova interpretação da lei
Milhares de doentes que tinham um grau de incapacidade “fiscalmente relevante” estão a perder o direito a benefícios fiscais devido a um despacho que faz uma nova interpretação da legislação em vigor, alertou hoje a Liga Portuguesa Contra o Cancro.
Milhares de doentes que tinham um grau de incapacidade “fiscalmente relevante” estão a perder o direito a benefícios fiscais devido a um despacho que faz uma nova interpretação da legislação em vigor, alertou hoje a Liga Portuguesa Contra o Cancro.
Esta situação já levou o Bloco de Esquerda a pedir uma “audição urgente” da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) e do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, sobre o despacho do Governo que está a fazer com que doentes, não só oncológicos, percam o direito ao atestado multiúsos e consequentes benefícios
Em declarações à agência Lusa, a jurista Carla Barbosa, da Unidade de Apoio Jurídico da LPCC, explicou que o despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, publicado em novembro de 2019, deu lugar a um ofício circulado da Autoridade Tributária e Aduaneira publicado no mês seguinte que faz uma nova interpretação da lei em vigor há 10 anos.
Já em dezembro de 2019, mas com “maior incidência” em janeiro de 2020, a Liga começou a ser confrontada com situações de doentes oncológicos que quando foram reavaliados, no âmbito do seu grau de incapacidade para obtenção do atestado médico de incapacidade multiúsos, viram os seus “pedidos de averbamento do grau de incapacidade com fins fiscalmente relevantes” serem indeferidos pelas Finanças.
A atribuição do grau de incapacidade e a emissão dos atestados multiúsos estão regulamentados por um diploma de 2006, atualizado pelo decreto-lei 291/2009, que trouxe algumas alterações no artigo 4 (números 7 e 8), que afirma que os doentes que forem fazer uma reavaliação do seu grau de incapacidade, se o grau atribuído for mais desvantajoso, deve ir buscar-se a avaliação imediatamente anterior se for mais favorável para o doente.
A nova interpretação da lei vem dizer que o imposto único de circulação, em que há possibilidade de isenção, e o cálculo do IRS mais favorável aos doentes são considerados todos os anos como direitos novos e, portanto, não cabem no âmbito deste artigo 4, explicou a jurista.
Carla Barbosa considerou esta situação “uma falácia”: “É óbvio que temos que fazer uma reavaliação quanto aos impostos, que é uma reavaliação anual”, mas já era “um direito adquirido”.
Esta situação, alertou, faz com que “milhares de doentes”, não só oncológicos, que tinham um grau de incapacidade fiscalmente relevante e eram portadores de um atestado multiúsos percam o acesso a estes benefícios fiscais.
À LPCC têm chegado “centenas, centenas e centenas de pedidos” de ajuda de doentes e só não chegam mais porque “as juntas médicas estão com atrasos brutais” e a validade dos atestados multiúsos foram prorrogados.
“Não temos segurança jurídica nenhuma, porque se nós temos uma instituição pública que, ao fim de dez anos, diz que afinal andamos a interpretar isto de uma maneira que para nós não é correta, e agora vamos passar a interpretar de outra maneira completamente diferente, onde é que fica a nossa a nossa segurança jurídica enquanto cidadãos, enquanto contribuintes, enquanto doentes”, questionou.
O presidente da LPCC, Vítor Rodrigues, defendeu, por seu turno, que a lei só pode ser alterada com legislação nova e não por um despacho ou por um ofício circulado das Finanças.
Para tentar mudar esta situação, a Liga já escreveu ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais a dizer que não concordava com a alteração, através de um parecer jurídico, mas a resposta foi praticamente a mesma, lamentou.
Também se dirigiu à Provedoria Geral da Justiça que “faz uma interpretação relativamente similar às Finanças” e agora recorreu aos grupos parlamentares e à Comissão de Saúde para analisarem a situação, adiantou Vítor Rodrigues.
“Temos que dar às pessoas esses benefícios para facilitar o seu regresso a uma vida normal”, apelou.
Carla Barbosa ressalvou que não está a defender que “os doentes oncológicos devem ficar para o resto da vida com esses benefícios”, mas lembrou que estes benefícios fiscais são “muito importantes” para estes doentes que, na sua grande maioria, continuam a ter muitos custos decorrentes da doença oncológica.
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