Obstáculos nos transportes públicos são uma constante para Cesaltina, Gerson e Rúben

Cesaltina, Gerson e Rúben têm mobilidade reduzida e os obstáculos nos transportes públicos da área de Lisboa são uma constante que os obriga a viver com uma antecedência que não é exigida a outras pessoas.

Obstáculos nos transportes públicos são uma constante para Cesaltina, Gerson e Rúben

Gerson Rodrigues, de 40 anos e tetraplégico desde os 22, reduz as deslocações às obrigações profissionais e, mesmo assim, é frequente ter de fazer na cadeira elétrica os quatro quilómetros de distância até ao trabalho, desgastando pneus e baterias de um equipamento que custa milhares de euros.

Isto porque fica em terra “com muita frequência” quando tenta apanhar o autocarro que o levaria de casa, na Alta de Lisboa, a Alvalade.

Foi o que aconteceu quando a Lusa o acompanhou: em dois autocarros, um não tinha rampa e no outro estava avariada.

Falta de manutenção nos equipamentos é o diagnóstico de Gerson, que apresenta regularmente queixa, anexando fotos e vídeos que atestam o que relata.

A resposta é sempre a mesma, com a Carris a dizer que vai melhorar. Enquanto isso, Gerson vai levando com os “comentários bastante desagradáveis” dos passageiros forçados a sair do autocarro quando a rampa encrava, ao ser acionada.

“Pago um passe de 40 euros […] e não consigo usufruir o mesmo dos outros utilizadores. Sinto-me um bocado frustrado […], quando estou na paragem com outros utentes. As pessoas entram, vão à sua vida […] e eu fico na paragem, porque não consigo entrar, por causa das rampas”, nota.

Os problemas não são exclusivos dos autocarros. Para o comboio é exigida uma antecedência de pelo menos seis horas nos pedidos e fica-se a depender de outros para colocar a rampa. “Se, de repente, decidir que quero ir à praia, por exemplo, de Cascais, não consigo”, refere Gerson.

Também não pode contar muito com o metro, “por causa dos elevadores”, frequentemente avariados.

“Saio daqui [do trabalho] e vou direto para casa. Raramente saio e vou a algum outro sítio, porque sei que já estou a arriscar a não conseguir um transporte acessível para voltar para casa”, explica, relatando que a partir do fim da tarde é “praticamente impossível apanhar um táxi adaptado”.

Este é o meio de transporte preferido de Cesaltina Sousa, que reconhece a sorte de ter apoio financeiro da escola profissional onde estuda para as deslocações.

“É muito mais prático, porque não preciso de me preocupar se tem rampa, se não vou ter transportes, sei que é sempre assegurado”, diz a jovem com deficiência motora.

Todos os dias à mesma hora, o taxista Marco recolhe-a em casa, na zona oriental de Lisboa, abre a bagageira e coloca as rampas de acesso para a sua cadeira de rodas subir a bordo.

Quando Cesaltina recorre a outros transportes públicos “são mais as vezes” em que não consegue deslocar-se. “Nunca sei qual é que é o autocarro que tem rampa ou que tem a rampa a funcionar”, conta, certificando a falta de informação em tempo real.

“Mesmo com antecedência, vai sempre acontecer um imprevisto, que é o que me acontece muitas vezes quando vou sair”, lamenta.

E da rua para casa a situação não melhora. Os três elevadores que dão acesso ao apartamento no segundo andar onde vive “estão sempre a avariar” e a sua cadeira só entra num deles.

A Gebalis, empresa pública que gere os bairros municipais de Lisboa, está a par da situação, mas há anos que Cesaltina espera a transferência para um rés-do-chão. Houve uma altura em que esteve quase um mês sem conseguir ir às aulas, relata, admitindo desmotivação.

A cegueira de Rúben Portinha não o obriga a comunicações antecipadas, mas os obstáculos são igualmente muitos no percurso de autocarro, comboio e metro que faz todas as semanas para ir treinar goalball, modalidade paralímpica desenvolvida exclusivamente para pessoas com deficiência visual.

É uma hora e meia de gincana até ao Estádio de Alvalade. A dificuldade começa logo à saída de casa, na Abrunheira, concelho de Sintra, onde é mais seguro seguir pelo meio da estrada, porque os passeios são irregulares e estreitos e estão ocupados por carros mal estacionados e contentores do lixo que impedem a passagem.

Se fecharmos os olhos não sabemos para onde vai o autocarro da Carris Metropolitana que acaba de chegar. “Os principais obstáculos têm a ver sempre com a sinalização sonora, quer da chegada do autocarro, [quer] do respetivo número da carreira e destino”, identifica Rúben.

Sabendo disso, o atleta e músico de 37 anos coloca-se “mais visível” na paragem, ainda que isso implique estar à chuva e ao vento e não garanta que os motoristas parem.

Dentro do autocarro, o monitor está ligado e passa informações várias, mas sem som, pelo que será impossível a Rúben saber a quantas anda. “Tenho que perguntar ao motorista, portanto, acabo por perder alguma autonomia”, considera.

No caso, é um percurso que conhece bem e quem não vê desenvolve estratégias de orientação mais apuradas, que incluem lombas, curvas e retas: “O problema é que passamos uma viagem em tensão, estamos sempre muito atentos e muito concentrados no trajeto para tentarmos sair no local certo.”

Na estação de Algueirão-Mem Martins, a maior dificuldade será dar com a porta do comboio. “Também é uma questão de sorte […] em que carruagem é que entramos e se apanhamos ou não apanhamos a voz a funcionar”, acrescenta.

Apesar de ter começado com atraso, a indicação surge certa na paragem de Entrecampos, estação onde o que sobeja em pessoas falta em referências no chão. “Há cada vez mais gente que parece que vê menos do que eu… Já aconteceu em ‘n’ casos as pessoas virem na minha direção e não sei se estão à espera que seja eu a desviar-me…”, comenta.

Rúben sai na estação do Campo Grande, em dia de jogo do Sporting em casa. Mais gente igual a mais barulho e maior dificuldade em orientar-se. Sobe as escadas até às portas do estádio, que contorna, até chegar ao pavilhão onde treina.

Todo o aparato montado em dia de jogo — baias de segurança, vendedores ambulantes, ruído de sirenes e cornetas — atrapalha o percurso até ao destino. Quando finalmente lá chega, o aquecimento está feito.

*** Sofia Branco (texto), André Kosters (foto) e Rui Filipe Pereira (vídeo), da agência Lusa ***

SBR // ROC

By Impala News / Lusa

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