Ana Rita Cavaco ultrapassa cancro e faz pedido a Luís Montenegro
Em carta aberta a que o Portal de Notícias da Impala teve acesso, a anterior bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, faz pedido ao primeiro-ministro, Luís Montenegro.
Antiga bastonária da Ordem dos enfermeiros assinala Outubro Rosa com pedido ao primeiro-ministro, Luís Montenegro, no mês de consciencialização para o cancro da mama, que Ana Rita Cavaco ultrapassou recentemente.
Exmo. Sr. Primeiro-Ministro, Estimado Dr. Luís Montenegro
Outubro é Rosa, o movimento conhecido por “Outubro Rosa” nasceu para sensibilizar e mobilizar a sociedade para a luta contra o cancro de mama. A cor rosa é utilizada para homenagear as mulheres com cancro da mama, sensibilizar para a prevenção e diagnóstico precoce e apoiar a investigação nesta área.
É público, desde Julho deste ano, que fui diagnosticada com cancro de mama ainda no exercício do cargo de Bastonária da Ordem dos Enfermeiros aos 47 anos de idade. Passei por sessões de quimioterapia, cirurgia e radioterapia e estou actualmente e oficialmente em remissão. Foi uma batalha dura como será e foi para milhares de mulheres e homens no mundo inteiro. A incidência da doença aumenta a olhos vistos em mulheres cada vez mais jovens e em homens também.
Para lá das homenagens que se fazem nas redes sociais, na comunicação social e na sociedade em geral, dirijo-me a V. Exa. para abordar questões práticas, do dia-a-dia, que fazem a diferença na vida de qualquer mulher, ou homem, que passou ou poderá passar por um diagnóstico de cancro de mama.
A norma da Direcção Geral da Saúde (DGS) sobre o rastreio do cancro de mama prevê que se inicie aos 50 anos de idade em Portugal. Há 2 anos que a recomendação da União Europeia é descer a idade do rastreio para os 45 anos e os Estados Unidos da América desceram mesmo para os 40 anos. Em Portugal, a DGS ainda não alterou a norma e veio a público dizer que a nova norma estaria pronta até Junho do corrente. Esta mudança foi anunciada há um ano pela DGS mas estamos em pleno Outubro Rosa sem que a DGS tenha feito o seu papel. Recordo, como já referi em cima, que fui diagnosticada aos 47 anos, fora da idade de rastreio em Portugal mas dentro da idade recomendada em todos os outros Países.
Escrevo, não por mim, mas por todos os que não têm, como eu tive, a possibilidade de ter acesso a coisas simples, como um rastreio ou pequenas coisas que, não sendo luxos ou estética, fazem verdadeiramente a diferença na vida de quem tem um cancro.
Na Suíça e na Alemanha, por exemplo, as perucas e um lenço são oferecidos. Caiu-me o cabelo, as pestanas e as sobrancelhas e não é possível descrever por palavras a brutal alteração de identidade que isso significa. Em Portugal uma peruca de cabelo natural custa em média 2500 euros sendo a comparticipação da ADSE de cerca de 270 euros e dos seguros de saúde cerca de 800 euros dependendo do preço da peruca e do tipo de seguro. Para quem tem apenas SNS, a comparticipação é zero. Também não oferecem lenços e se eu tinha frio na cabeça ao dormir, imagino os que não os podem comprar. Ter um cancro é entrar noutra vida que não é a nossa nem somos nós. Tatuar sobrancelhas ou um risco para disfarçar as pestanas que caíram também é caro e também não tem comparticipação. A fisioterapia pós cirurgia da mama não chega para todos e custa uma média de 45 euros por sessão. Se tivermos o azar de ter alguma complicação, como por exemplo um inchaço do braço (linfedema), as mangas de tratamento são caras e não têm comparticipação. A quimioterapia seca muito a pele e os cremes não são de graça. É por tudo isto que muitos profissionais de saúde a trabalhar em oncologia defendem a oferta de um Kit personalizado e gratuito para os doentes oncológicos e, claro está, as mulheres e homens com cancro de mama.
Felizmente tive acesso a tudo, peruca, óculos de sol, cremes, fisioterapia e micropigmentação do olho. Felizmente, também, já tenho cabelo, pestanas e sobrancelhas. Mas infelizmente eu sou das poucas que pude ter isto tudo porque pude pagar. É por isso que escrevo a V. Exa., em nome dos que não podem pagar nada disto e cuja tristeza e alteração da imagem atrapalham a já difícil batalha que têm de travar contra um inimigo poderoso e desigual, o cancro. O cancro que nos rouba quase tudo, nalguns casos até a vida.
Esta simples carta será divulgada por outras entidades e políticos, muitos me conhecem desde adolescente, que se sentam hoje em lugares públicos onde podem, verdadeiramente, fazer a diferença na vida de todos. Entendo a vida política e pública como um instrumento para fazer o bem e alterar para melhor a vida das pessoas. É essa a política que importa. Acompanho o esforço da equipa governamental que V. Exa. dirige em mudar a vida de todos para melhor. Assim, deixo o meu pequeno contributo numa questão que é fundamental para tantas e tantas famílias a quem o cancro invadiu o espaço e a casa, umas vezes com histórias de alegria e superação, outras com batalhas perdidas. Em qualquer dos casos somos sempre únicos, especiais e irrepetíveis. É assim que vejo a humanidade que nos deve unir a todos. Muito obrigada pelo Seu tempo, subscrevo-me com a mais elevada estima e consideração
Lisboa, 3 de Outubro
Ana Rita Pedroso Cavaco, Enfermeira Especialista e Mestre em Saúde Pública e Comunitária
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