Associações tradicionais consolidaram-se como forças políticas em Macau

As associações tradicionais de Macau, com origem na fundação da China comunista, surgiram como resposta à indiferença da administração colonial e serviram de ponte entre autoridades e população. Na transição, consolidaram-se como forças políticas.

Associações tradicionais consolidaram-se como forças políticas em Macau

A história de Io Hong Meng e dos Kaifong (União Geral das Associações dos Moradores de Macau ou UGAMM) podia contar-se em separado, mas não seria a mesma coisa. O trajeto deste homem de 76 anos e desta união de associações cruzou-se numa cidade muito diferente, ainda território português, mas numa fase semelhante de desenvolvimento.

Estávamos em 1980 quando Io começou a trabalhar como administrativo na Associação de Bem-Estar dos Moradores de Macau, criada em 1956, e uma das quase três dezenas de organizações de moradores que, em 1983, se juntaram e deram forma aos Kaifong.

Estas associações estão entre as muitas organizações criadas após a implantação da República Popular da China, em 1949. De tradição patriótica e fiéis ao novo regime, surgem como reação à indiferença portuguesa.

“Durante a ditadura de Salazar, o Governo português não prestava muita atenção aos chineses e não geria os assuntos dos chineses, então tínhamos de contar connosco”, explica Io.

Atual presidente honorário dos Kaifong, Io Hong Meng chegou à liderança em 2003. E à semelhança do homem, também a obra se ergueu. A importância da UGAMM, hoje com cerca de 40 mil membros, é visível pela dimensão da própria sede, um edifício de sete andares e 36 departamentos, construído em 2007.

É também uma das associações do território que mais apoio governamental recebe. Em 2023, foram 37,9 milhões de patacas (4,46 milhões de euros), à frente de outras duas importantes associações tradicionais, a Federação Geral dos Operários e a Associação Geral das Mulheres, de acordo com dados oficiais.

Mas o que são e o que fazem estas associações tradicionais? Agnes Lam, diretora do Centro de Estudos de Macau, da Universidade de Macau, explica que estes grupos “pró-Pequim, patrióticos e pró-sistema, ajudam o Governo nas suas funções”, nomeadamente na gestão de creches ou escolas.

“Se o Governo precisa de público, por exemplo, então as organizações tradicionais, como têm muitos membros, conseguem mobilizar pessoas”, continua.

João Guedes, jornalista e historiador, sublinha “o espírito chinês extremamente associativo”, para justificar a proliferação de associações no território — existem atualmente 12.251 registadas, de acordo com o Boletim Oficial, num rácio de 56 residentes por associação.

Mas de regresso ao passado: até 1966 – quando se dá o “1,2,3”, movimento popular em contestação da administração portuguesa, inspirado pela Revolução Cultural chinesa -, estas novas associações patrióticas continuam a conviver com formações ligadas ao partido nacionalista Kuomintang (KMT), derrotado pelos comunistas de Mao Zedong.

“[Em 1966] é quando fecham as associações pró-nacionalistas, e [ou] reabrem com nova gerência, que eram os comunistas, ou pró-comunistas, que declaravam a nova obediência ao Partido”, diz Guedes.

Com o “1,2,3”, a comunicação entre governantes e população é cada vez mais difícil e são estas associações que fazem a ligação entre os dois lados. Mas isto não acontece diretamente, lembra o historiador português: “Reportavam à Associação Comercial, esse era o canal oficial de transmissão das aspirações da população”.

A Associação Comercial de Macau (ACM) foi criada em 1913. Face ao aumento do número de comerciantes chineses no território, vários empresários, incluindo Sio Ieng Chau, gestor de casas ‘fan-tan’, um jogo de mesa, lançaram as bases da ACM. Sio torna-se o primeiro presidente desta poderosa associação.

Um episódio que interessa para esta história e que ajuda a entender o reposicionamento político das associações na era comunista: Em 1916, Sio participava numa operação secreta de resgate de Huang Mingtang, membro do KMT, detido pelas autoridades portuguesas.

Mas em 1950, a ACM, através do presidente da associação e antigo membro do comité executivo do KMT em Macau, Ho Yin, “alcançou a transformação política em direção à República Popular da China”, descreve o académico Lou Shenghua, da Universidade Politécnica de Macau, num estudo de 2004 sobre as associações locais.

Com as mudanças do “1,2,3” e a crescente influência junto das autoridades portuguesas, gerir uma organização social “tornou-se algo grande, porque conferia poder político”, refere Agnes Lam.

Nos anos 1970, empresários chineses como Ho Yin, Ma Man Kei ou Chui Tak Kei – todos ligados à ACM – tinham assento na Assembleia Legislativa. Mas a entrada de mais chineses neste palco político dá-se sobretudo na última década do século passado, indica Lam, referindo que estes “funcionavam como uma espécie de oposição” ao fiscalizarem o trabalho das autoridades portuguesas.

Já com a transição do território para a China, teve de haver uma adaptação. “Antes disso, só precisavam de se posicionar ao lado de Pequim. Mas agora era a RAEM [Região Administrativa Especial de Macau], o seu próprio povo. Como é que vamos controlar o nosso próprio povo?”, nota a académica.

Nos últimos anos, o discurso sobre o reforço do patriotismo e do amor à pátria está presente em praticamente todos os setores da sociedade.

Nas últimas legislativas, em 2021, a comissão que gere as eleições excluiu cinco listas e 21 candidatos, 15 dos quais pró-democracia, por não serem “fiéis à RAEM” e estas associações tradicionais têm tido mais voz no plenário.

“Agora já não há subterfúgios nem nada, já se sabe que o Partido controla as associações. Agora é mais ou menos um mar de rosas”, concretiza João Guedes.

A Assembleia Legislativa conta com 33 membros, mas apenas 14 são eleitos por sufrágio universal direto, sendo 12 escolhidos por sufrágio indireto e sete nomeados pelo chefe de Governo. Os Kaifong, por exemplo, têm deputados eleitos diretamente, indiretamente e nomeados. Io Hong Meng defende o sistema atual.

“Os nomeados [pelo Governo] podem garantir posições para grupos desfavorecidos, como os macaenses, porque podem não conseguir obter as posições por eleição direta”, defende, referindo-se aos membros da comunidade euro-asiática, com raízes em Macau, e que são na maioria lusodescendentes.

Neste momento, não há membros da comunidade macaense entre os deputados nomeados pelo líder do executivo.

CAD // JMC

By Impala News / Lusa

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