“Bombardeamentos de Israel não nos farão desistir”, dizem palestinianos em Beirute
Palestinianos em Beirute apelaram hoje para a resistência contra a “agressão israelita”, um ano após o início da guerra na Faixa de Gaza que se alastrou ao Líbano, e clamaram que os bombardeamentos diários não os vão demover.
Recatado nas entranhas do bairro de Kola, no coração da capital libanesa, o centro de refugiados Mar Elias foi fundado em 1952 para acolher palestinianos provenientes da Galileia e mantém-se no mesmo lugar desde então, onde a entrada por uma ruela que dá acesso a esta “pequena Palestina” é assinalada com uma exortação em árabe: “Gaza resiste”.
Antes do conflito, Mar Elias acolhia cerca de duas mil pessoas, de acordo com o comité de gestão do centro, que ao fim de sete décadas ainda é conhecido como “campo de refugiados”, embora se trate na verdade de um minibairro palestiniano encravado em Beirute.
Desde que Israel intensificou, a partir de 23 de setembro, as suas operações contra o grupo xiita libanês Hezbollah, provocando uma debandada de largos milhares de pessoas das suas casas, o número mais do que duplicou para uma população agora estimada de cerca de cinco mil e sem espaço para mais ninguém.
A última madrugada voltou a ser marcada por intensos bombardeamentos israelitas no subúrbio sul da capital libanesa, onde se localiza o principal reduto do Hezbollah, no dia em que se assinala o primeiro aniversário do ataque do grupo islamita palestiniano Hamas em Israel, desencadeando a guerra em curso na Faixa de Gaza, e que trouxe para o conflito o seu aliado xiita libanês, ambos apoiados pelo Irão.
“O que se passou em 07 de outubro é uma reação normal após tanto de tempo de ocupação israelita e dos seus crimes, que incluem mulheres e crianças, porque Israel vai continuar a fazer o que for preciso para matar os palestinianos”, comenta Khaled Oubayid, membro da organização palestiniana Fatah e residente em Mar Elias, a propósito dos acontecimentos ocorridos há um ano durante o ataque do Hamas, que matou cerca de 1.200 pessoas e deixou perto de outras 250 na condição de reféns.
Logo após a ação armada do Hamas e da resposta imediata das forças israelitas na Faixa de Gaza, com um balanço de quase 42 mil mortos num ano, segundo as autoridades locais, o Hezbollah partiu em apoio do seu aliado palestiniano, dando início a um ano de ataques aéreos cruzados sucessivos entre Israel o movimento xiita libanês e à fuga de dezenas de milhares de pessoas ao longo da fronteira israelo-libanesa.
Nas últimas semanas, as forças israelitas anunciaram a transferência das suas operações da Faixa de Gaza para o Líbano, com o objetivo declarado de neutralizar a capacidade do Hezbollah de atacar Israel e, em 01 de outubro, iniciaram uma invasão terrestre no sul do território libanês, numa escalada vertiginosa de hostilidades, que levou mais de 1,2 milhões de pessoas, de acordo com as autoridades nacionais, a abandonarem as suas casas em grandes partes do país e nos arredores de Beirute.
“O Hezbollah toma as suas ações individuais e esta guerra começou porque os israelitas pretendem engolir todas as terras árabes e não vão parar até acharem que, depois disso, terão paz, mas nunca irão consegui-la”, observa Khaled Oubayid, alertando ao mesmo tempo que “a resistência conhece muito bem Israel” e que toda a sua tecnologia, apoiada pelos Estados Unidos, colide com a determinação e memória dos palestinianos: “Nós também temos direitos, os libaneses têm direitos, os iemenitas, os iranianos e iraquianos, todos. Não esquecemos um dia, uma hora sequer, os crimes que nos fizeram”.
Do mesmo modo, avisa que os ataques na Faixa de Gaza e em Beirute, onde a silhueta do grande subúrbio sul de Dahieh é marcada diariamente por colunas de fumo negro dos bombardeamentos israelitas, podem provocar receio, “porque não distinguem as áreas civis — hospitais, escolas, mesquitas – das militares”, mas não farão ninguém desistir.
“Todos viram na televisão o que os israelitas fizeram em Gaza, então todos sabem do que eles são capazes”, prossegue o militante da Fatah (a mais importante força política palestiniana), nascido no Líbano há 60 anos, à entrada do centro Mar Elias, um dos campos de refugiados palestinianos instalados no Líbano nas últimas décadas, e que também já foram alvejados, em operações justificadas pelas forças armadas de Israel com a presença de membros do Hamas ou de outros grupos armados da Palestina.
Há uma semana, um raide israelita atingiu as proximidades de Mar Elias, em pleno bairro de Kola, onde foram mortos três supostos membros da Frente Popular de Libertação da Palestina, num dos raros ataques dirigidos contra alvos no centro da capital libanesa.
O pequeno bairro palestiniano é percorrido por uma estreita rua circular, vigiado por homens com armas automáticas, e ao longo da qual se erguem pequenos prédios desalinhados, mercearias, uma farmácia, uma oficina e um gabinete político, mas também numerosas bandeiras palestinianas e grafítis alusivos à causa da Palestina, várias imagens de Yasser Arafat e de outros líderes históricos em atividade ou mortos, como Ismael Haniyeh, antigo chefe do gabinete político do Hamas, assassinado em julho em Teerão.
É ainda em Mar Elias que uma equipa de voluntários prepara todos os dias mais de mil refeições para os novos residentes do bairro que fugiram nos últimos dias das suas casas, sobretudo palestinianos, mas também muitos libaneses e refugiados sírios, e para os deslocados do sul do Líbano e de Dahieh, que vivem nas ruas de Beirute, porque já não há mais lugares nos centros temporários para a população desalojada.
“A situação é muito instável e perigosa porque toda a gente receia os bombardeamentos e é impossível prosseguir um dia-a-dia normal”, desabafa Rada, 48 anos, residente e voluntária no centro palestiniano, mãe de quatro filhos, e para quem esta crise se tornou num “modo de vida” em que é proibido ceder ao medo e à sensação de vigilância provocada pelo zumbido constante dos ‘drones’ israelitas que sobrevoavam a cidade.
No mesmo sentido, Rafah, outra moradora voluntária de 26 anos, diz que vai buscar as forças “junto de quem precisa de ajuda”, que incluem pessoas em situações críticas, após terem perdido as suas casas em resultado dos bombardeamentos.
Além de 1,2 milhões de deslocados, as autoridades libanesas anunciaram hoje que 2.083 pessoas morreram e 9.869 ficaram feridas desde o início das hostilidades, a maioria nas últimas semanas.
Só nas últimas horas, o Ministério da Saúde Pública informou que os ataques israelitas na província do Monte Líbano resultaram na morte de 15 pessoas e deixaram outras 46 feridas, enquanto em Nabatieh deixaram outros quatro mortos e 12 feridos.
À medida que Israel mantém a pressão sobre o Hezbollah, que perdeu o seu líder histórico, Hassan Nasrallah num bombardeamento em 24 de setembro, e várias figuras de topo da sua estrutura militar, o grupo xiita libanês emitiu hoje um comunicado a propósito do aniversário dos ataques de 07 de outubro, no qual saudou “a firmeza do povo palestiniano e a sua valente resistência após um ano de paciência, resistência e heroísmo”, no mesmo dia em que lançou um ataque aéreo contra Haifa, no norte de Israel.
*** Henrique Botequilha (texto) e João Relvas (fotos), enviados da agência Lusa ***
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By Impala News / Lusa
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