Como Kamala Harris usou o debate na TV para colocar Trump na ordem

O debate televisivo foi o primeiro grande teste de Kamala Harris cara a cara com Donald Trump, e a candidata democrata deu “uma aula magistral sobre como colocá-lo no seu devido lugar”.

Como Kamala Harris usou o debate na TV para colocar Trump na ordem

No debate televisivo com Donald Trump, Kamala Harris deu “uma aula magistral sobre como colocá-lo no seu devido lugar”, considera Natasha Lindstaedt, professora do Departamento de Governo da Universidade de Essex.

Quando milhões de pessoas sintonizaram a TV para assistir ao debate presidencial dos EUA em 10 de setembro (já em 11 de setembro em Lisboa), “muita coisa estava em jogo”. Desde que foi indicada candidata democrata em agosto, Kamala Harris “surfou uma onda de excitação e energia, que levou os democratas de quatro a cinco pontos atrás de Donald Trump nas sondagens, para a frente em quase todos os estados indecisos“, coloca Natasha Lindstaedt.

Apesar de uma convenção democrata empolgante, todavia, “essa onda não se traduziu num salto geral no apoio”. “Aliás, um novo conjunto de sondagens divulgado poucos dias antes do debate mostrou que a corrida se tinha acirrado e o ímpeto de Harris estava a diminuir.”

“Muita coisa dependia portanto do seu desempenho no debate”, considera Lindstaedt. “Harris precisava de apresentar-se aos 28% dos norte-americanos que alegavam que ainda não a conheciam muito bem.” Vários estudos demonstram que candidatos menos conhecidos “têm mais a ganhar com um debate presidencial”.

De facto, o debate desta madrugada “foi o seu primeiro grande teste cara a cara com Trump e Harris deu uma aula magistral sobre como colocá-lo no seu devido lugar”. Kamala “estava no modo promotora total”. Enquanto Trump normalmente domina e intimida os oponentes políticos, “Harris estava no controlo, a olhar frequentemente diretamente para ele para vincar os seus pontos”.

Kamala Harris “ditou o debate desde o início, quando caminhou para cumprimentar Trump

Kamala Harris
Kamala “Harris ditou o debate desde o começo, quando caminhou, confiante, até Trump para apertar-lhe a mão”

Harris ditou o debate desde o começo, “quando caminhou, confiante, até Trump para apertar-lhe a mão”. Isto “marcou o tom, em forte contraste com o debate entre o presidente em exercício Joe Biden e Trump”, em junho, quando a voz trémula de Biden era um sinal preocupante para os democratas do que estava por vir”.

No início do debate, Harris “conseguiu atingir um dos seus principais objetivos para a noite: irritar Trump”. Irritou-o “depois de responder a uma pergunta sobre imigração, ‘virando a mesa’ e falando sobre os comícios do seu opositor – ‘tão maçadores e autoindulgentes que as pessoas frequentemente saíam cedo entediadas'”.

Embora Trump não tenha supostamente ensaiado muito para o debate, os seus assessores “tentaram fazê-lo manter a mensagem sobre políticas e não envolver-se em ataques pessoais”. No entanto, Harris venceu o debate “a partir do momento em que o provocou sobre o tamanho da multidão”.

Dali em diante, “Trump lutou para manter o foco e permanecer na mensagem”. “Saiu pela tangente, afirmando que imigrantes em Springfield, no estado do Ohio, estavam a roubar cães e gatos aos vizinhos e a comê-los.” David Muir, um dos dois moderadores da ABC para o debate, rapidamente explicou que a afirmação era “baseada em ‘fake news’ [notícias falsas]”.

Trump também afirmou que em estados liderados por democratas, havia bebés a serem mortos depois de nascerem. E argumentou que Harris apoiaria a oferta de operações transgénero para “estrangeiros ilegais” na prisão. “Quanto mais falava, mais se enfiava num buraco”, considera Natasha Lindstaedt.

“Sempre que Harris o provocava, Trump mordia o isco. Um dos momentos mais virais foi quando ela disse que ele ainda estava a processar o facto de ter sido ‘afastado da presidência por 81 milhões de pessoas’ em 2020.” A afirmação de Kamala “empurrou Trump para a ‘toca’, levando-o a choramingar sobre como acredita que a eleição lhe foi roubada“.

Embora a afirmação possa repercutir-se em cerca de um terço dos eleitores norte-americanos – que acreditam que Biden não foi legitimamente eleito presidente –, “Trump parecia estar a repetir a sua habitual vitimização”.

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Donald Trump parecia “não apenas desequilibrado e instável, mas, pior, não presidencial”. Harris, por sua vez, “divertia-se com as palhaçadas – ou com pena – do seu opositor”.

O ecrã dividido dois candidatos mostrou uma Harris “calma e controlada, em comparação com um Trump exasperado e irritado”. Embora o ecrã dividido tenha beneficiado Trump no seu último debate com Biden, “desta vez claramente não foi assim”.

Alguns dos melhores ‘golpes’ de Kamala Harris questionaram as fraquezas em política externa de Trump. “Afirmou que Putin – que Trump admirava publicamentecomê-lo-ia ao pequeno-almoço“.

Disse ainda que a Ucrânia estaria sob o controlo de Putin se Trump fosse presidente e acrescentou que a Polónia seria a próxima na mira de Putin. “Encorajou Trump a contar aos 800 mil polacos a viverem na Pensilvânia, onde o debate estava a ser realizado, sobre o seu apoio ostensivo ao Kremlin.”

Trump recusou responder por duas vezes se queria que a Ucrânia vencesse a guerra

Trump pareceu lamentar a perda de soldados russos e, por duas vezes, recusou-se a responder diretamente a uma pergunta sobre se queria que a Ucrânia vencesse a guerra
Trump pareceu lamentar a perda de soldados russos e, por duas vezes, recusou-se a responder diretamente a uma pergunta sobre se queria que a Ucrânia vencesse a guerra

Trump pareceu lamentar a perda de soldados russos e, “por duas vezes, recusou-se a responder diretamente a uma pergunta sobre se queria que a Ucrânia vencesse a guerra”, nota Lindstaedt. “Sem ponta de evidência, alegou que a guerra terminaria 24 horas após ele ser eleito presidente.”

Harris explicou também como os seus conselheiros militares o consideraram “uma vergonha” e sugeriu que “vários governos estrangeiros estão a rir-se dele”. Trump defendeu-se, afirmando que era “querido pelo primeiro-ministro húngaro”, Viktor Orbán – “que muito dificilmente poderá ser considerado um líder com credenciais democráticas”, equaciona Lindstaedt.

Alguma coisa disto importa?

Trump mostrou o quanto estava preocupado com o seu desempenho ao entrar na sala onde os repórteres se reúnem imediatamente após o debate. Anunciou à imprensa que este tinha sido o seu “melhor debate de todos os tempos”, “numa clara tentativa de ganhar controlo sobre a narrativa pós-debate“.

A Fox News também publicou rapidamente um artigo de opinião a argumentar que Harris era a “clara vencedora” – demonstração “de quão mal as coisas foram para Trump”. “Algumas coisas, porém, podem ajudar a equipa de Trump a dormir melhor”.

Com base em algumas reações de eleitores indecisos, Harris “ainda não foi clara o suficiente sobre onde se posiciona em políticas específicas”. “Escolheu focar-se muita da sua atenção em fazer Trump implodir, assim como a sua agenda mais ampla. Ainda há espaço para ela explicar como representa a mudança.”

Sondagens demonstram ainda que, embora os debates importem no rescaldo imediato, o seu efeito tende a dissipar-se rapidamente depois disso. No primeiro debate de Trump contra Hillary Clinton, em 2016, por exemplo, “apenas 24% dos entrevistados achavam que ele tinha vencido o debate“. E Clinton perdeu claramente para Trump em novembro…

A favor de Harris, contudo, “está o fato de que os eleitores em estados-chave como Pensilvânia, Virgínia e Minnesota vão começar a votar poucos dias após o debate”. Embora Harris não tenha feito o suficiente para esclarecer todas as suas posições políticas aos eleitores, “encostou efetivamente Donald Trump”, conclui Natasha Lindstaedt, professora do Departamento de Governo da Universidade de Essex.

The Conversation

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