Conflito entre Índia e Bangladesh impede reagrupamento familiar de imigrantes em Portugal
O conflito diplomático entre a Índia e o Bangladesh tem impacto direto na vida de Mohammed, Shohel e Mohin, imigrantes regulares em Portugal, que estão impedidos de terem a família consigo por falta de vistos.
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“Está tudo legal, tudo conforme. Só que a Índia não dá o visto para eu conseguir um visto para as minhas filhas na embaixada portuguesa de Nova Deli”, desabafa Mohammed Fakhrul, 40 anos, enquanto olha para as fotos da mulher e das suas duas meninas, Masuama Zakia Zyr (sete anos) e Jahra Jahra (nove anos), que constituem o fundo de ecrã do seu telemóvel.
Dono de uma loja de souvenirs em Alfama, Mohammed Fakhrul diz que veio para Portugal e para a Europa a pensar no futuro das suas filhas.
Em Portugal desde 2020, “sempre as quis” consigo: “Eu sem elas sou infeliz aqui. Sem elas não faz sentido emigrar”.
Visivelmente emocionado, mostra à Lusa os papéis que confirmam estar regular em Portugal, bem como o pedido da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) para que conclua o processo de reagrupamento familiar.
No ano passado, as autoridades portuguesas concluíram o reagrupamento familiar de 35 mil pessoas, e Mohammed Fakhrul queria engrossar essa lista.
“Tenho tudo pronto, mas se não conseguir o visto até março, não vou conseguir trazê-las”, diz.
Shohel Ahmed Showdhary, 49 anos, está na mesma situação, mostrando uma carta da AIMA de 16 de dezembro a indicar autorização para o reagrupamento.
Para tal, as duas filhas, de 19 e 16 anos, precisam de ser registadas na embaixada de Nova Deli e o prazo de três meses está a terminar.
“Não sei o que faça”, diz, desanimado Shohel, que trabalha numa fábrica de curtumes em Santarém.
Desde agosto do ano passado, quando um governo interino tomou conta do Bangladesh, após uma série de protestos populares, a Índia bloqueou ainda mais os vistos para o país vizinho.
“Não conseguimos, não nos dão visto para lá irmos, é por isso que é tão importante uma embaixada de Portugal no nosso país”, afirmou.
Entre os números já regulares e os pendentes de regularização, são estimados cerca de 70 mil imigrantes do Bangladesh, um número que, segundo a comunidade em Portugal, justifica a existência de um consulado português em Daca.
O jornalista Farid Patwary é uma das vozes mais relevantes da comunidade nessa reivindicação.
“Não faz sentido termos de ir para a Índia tratar dos nossos processos, quando a Índia não nos dá vistos para lá irmos”, explica o ativista, considerando que um consulado português representa também rendimentos adicionais para o Estado.
“Agora que não há manifestações de interesse e os processos têm de ser tratados nos países, isso quer dizer que há mais receitas. Nós pagamos muito às empresas para termos as coisas em Nova Deli. Imagine quanto Portugal não ganharia com uma embaixada portuguesa?”, questiona.
Se Mohammed e Shohel não vão deixar de ser pais, caso as filhas não venham, Mohin Uddin Sepun (31 anos) está mais ansioso.
“Casei há um ano, estive com ela um mês, e agora a minha mulher não pode vir. Não sei se conseguimos aguentar o casamento assim”, desabafa.
“Quero ter filhos, quero construir uma vida aqui em Portugal. É o país que escolhi para viver e para ter os meus filhos, portugueses”, explica.
O desejo de vir para Portugal, e para a Europa, é particularmente evidente no discurso destes homens em relação aos filhos.
“O que é que as minhas filhas vão ser [no Bangladesh]? Vão casar com alguém e ser o que todas as mulheres são. Aqui podem ser o que quiserem”, diz Mohammed Fakhrul.
“Nós escolhemos a Europa não apenas por questões financeiras, mas também porque a Europa está atenta aos direitos humanos e eu quero que as minhas filhas sejam respeitadas”, acrescentou, salientando que o reagrupamento familiar também é uma forma de resolver o limbo em que muitos imigrantes estão mergulhados.
“Reset. Sabe o que é que isso quer dizer? Queremos recomeçar num bom país e estamos aqui para trabalhar”, disse ainda, salientando que a mulher irá trabalhar na sua loja para turistas.
“Dá para vivermos, com paz e tranquilidade, em família”, sublinhou.
A agência Lusa tentou obter um comentário junto da AIMA sobre estes processos de reagrupamento pendentes, mas, até ao momento, não obteve resposta.
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By Impala News / Lusa
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