Donald Trump quer realmente ser um ditador?

Donald Trump promete aos cristãos que se votassem nele em 2024 não teriam que votar novamente em quatro anos. Quer isto dizer que o antigo Presidente tem pretensões ditatoriais?

Donald Trump quer realmente ser um ditador?

Na semana passada, Donald Trump prometeu aos eleitores cristãos que se votassem nele em 2024, não teriam de votar novamente em quatro anos. Quer isto dizer que o antigo Presidente dos Estados Unidos da América tem de facto pretensões ditatoriais? David Smith, professor de Política Americana e Política Externa no Centro de Estudos dos EUA da Universidade de Sydney, tem opinião firmada sobre a alegada pretensão de Trump.

“Cristãos, saiam e votem, só desta vez. Vocês não terão mais de voltar a fazê-lo. […] Vocês têm de votar. Em quatro anos, vocês não terão de votar outra vez. Vamos consertar isto tão bem que vocês não terão de voltar a votar”

Os democratas “aproveitaram esta declaração como evidência das ambições ditatoriais de Trump“. “Mas nem todos os conservadores cristãos ficaram entusiasmados com isto”, aponta Smith. David Lane, que lidera uma organização dedicada a eleger líderes cristãos, “temeu que os comentários de Trump pudessem desencorajar os cristãos a votar no futuro”.

“Os evangélicos – em 2028, 2032 e 2036 – devem elevar o seu jogo cívico a um novo nível se a América quiser regressar à herança judaico-cristã e à cultura baseada na Bíblia estabelecida pelos fundadores”, afirmou Lane ao Washington Post.

Trump estava realmente a prometer uma ditadura? Ou a alegar que não haveria necessidade de os cristãos votarem em eleições futuras? Ou estava apenas a repetir uma piada que fizera uma semana antes, com base na sua crença (totalmente imprecisa) de que os conservadores cristãos são eleitores relutantes?

“Até piadas podem ser reveladoras, especialmente quando se trata do relacionamento entre Trump e seus apoiantes. Trump não estava a dizer que acabaria com as eleições, mas estava a ser timidamente apocalíptico sobre o que os cristãos poderiam esperar” do escrutínio eleitoral, considera David Smith.

Donald Trump identifica-se como cristão, mas “não é um político cristão tradicional”. Líderes cristãos conservadores entram normalmente em batalhas políticas “para alinhar ou manter o seu país com suas crenças morais”. “Mas, como escrevi antes, muitos conservadores cristãos de base na América ficaram insatisfeitos com as falhas desta abordagem, e Trump explorou estas frustrações.”

Seja explicitamente ou através de ‘indiretas’, Trump prometeu repetidamente vitórias aos cristãos “muito maiores do que ganhos incrementais de políticas ou reversões temporárias de fortuna nas guerras culturais”. Em vez disso, “fala sobre vencer a “batalha final”, o que lembra a muitos cristãos a vitória profetizada de Deus sobre Satanás“.

De facto, Trump “tem minimizado políticas que os cristãos conservadores podem querer”. A plataforma republicana para 2024 “modificou a oposição de linha-dura do partido sobre o aborto” porque Trump disse que os republicanos devem “ganhar eleições”.

Somente Trump, que nomeou os juízes que anularam Roe v Wade, teria “credibilidade para fazê-lo sem temer a perda do apoio cristão conservador”. “E essa credibilidade é tão alta agora quanto sempre foi.”

No passado, Trump gostou da forma como alguns cristãos o compararam a governantes bíblicos justos, como o Rei Ciro, o Rei David e a Rainha Ester. Muitos dos seus apoiantes interpretaram a sua sobrevivência “milagrosa” de uma tentativa de assassinato como “um sinal inequívoco de que Deus está a protegê-lo”. “Desde o tiroteio, Trump também parece ver-se em termos cada vez mais religiosos.”

Quando ironizou pela primeira vez sobre os cristãos só precisarem votar uma vez, foi claro:

“Tenho feridas por todo o meu corpo. Se eu tirasse esta camisa, veriam uma pessoa linda, linda, mas veriam feridas por todo o meu corpo. Tenho muitas feridas. Mais do que qualquer presidente já teve”

A utilização de “feridas” por Trump “não terá sido recebida de forma inocente” pelo seu eleitorado cristão. “A ideia de aceitar ferimentos por eles é paralela à proclamação de São Pedro sobre Jesus de que “vocês foram curados por minhas feridas“. A maioria dos cristãos não iria tão longe quanto o apresentador conservador Wayne Allyn Root, ao proclamar Trump como “a segunda vinda de Deus”, mas “muitos confiam que Deus está a usar Trump para atingir os Seus objetivos e protegê-los de seus inimigos“, diz Smith.

Há outras “duas revelações sérias na piada de Trump”. A primeira é a de que “está a contar com a sua base para vencer as eleições”. A escolha de JD Vance como companheiro de campanha “não foi calculada para conquistar grupos com os quais Trump tem lutado nos últimos anos, particularmente mulheres suburbanas“. Em vez disso, “ocorreu no auge da convicção da equipa de Trump que estavam destinados a vencer de qualquer forma“.

Vance tornou-se no músculo intelectual do movimento Trump, articulando uma visão “ferozmente pós-liberal do futuro”. Uma implicação consistente da retórica de Vance nos últimos anos – desde o seu apoio às proibições do aborto e a sua oposição ao divórcio sem culpa até ao seu menosprezo por “senhoras de gatos sem filhos” – é a de que o principal dever das mulheres norte-americanas é ter filhos.

Isto “empolga a base de Trump, embora os democratas o tenham classificado como ‘estranho’ e Vance tenha os menores índices de aprovação desde 1980 para um candidato a vice-presidente não titular neste momento da corrida eleitoral”. “Para vencer com Vance contra Kamala Harris, Trump pode precisar de ainda mais votos de conservadores cristãos do que os números recordes que obteve nas últimas duas eleições”, acredita David Smith.

A segunda revelação séria na piada de Trump é a de que, “apesar de toda a conversa sobre Vance ser uma escolha para o futuro, Trump tem pouco interesse no futuro além de seu próprio segundo mandato”. Isto torna-se mais claro “na versão original da piada“:

“Eles vão à igreja todos os domingos, mas não votam. Em quatro anos, não é preciso votar, certo? Em quatro anos, não votem. Eu não me importo”

Trump “tornou o Partido Republicano no seu veículo pessoal e, quando finalmente sair, será intocável”.

The Conversation

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