Invasão israelita pode levar o já instável Líbano ao colapso total
No ano passado, muitos temeram que a guerra entre Israel e o Hamas se espalhasse para os países vizinhos e arrastasse o Médio Oriente para um conflito devastador. Agora, Israel lançou o que chama de “operação terrestre limitada”, que alega ter sido projetada para expulsar o Hezbollah do sul do Líbano.
A invasão israelita do Líbano começou – e há relatos de combates intensos entre unidades das Forças de Defesa de Israel e o Hezbollah no sul libanês, acompanhados de ataques aéreos e bombardeios de posições do Hezbollah.
No ano passado, muitos temeram que a guerra entre Israel e o Hamas se espalhasse para os países vizinhos e arrastasse o Médio Oriente para um conflito devastador. Agora, Israel lançou o que chama de “operação terrestre limitada”, que alega ter sido projetada para “expulsar o Hezbollah do sul do Líbano”.
Em meados de setembro, Israel anunciou que estava a mudar a política de defesa em direção à sua fronteira norte, onde 70 mil pessoas foram deslocadas no ano passado por foguetes disparados pelo Hezbollah. O ministro da Defesa Yoav Gallant alega que os seus objetivos de guerra mudaram “para garantir que esses civis pudessem regressar às suas casas em segurança”.
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Após 15 dias de ataques de mísseis no Líbano, Israel alega ter eliminado “grande parte da liderança do Hezbollah”, bem como destruído larga parte da sua infraestrutura militar. Esta “próxima fase do conflito apresentará desafios mais intensos para todos os envolvidos e apresenta grandes riscos para a região, e além dela”, diz Imad El-Anis, professor de Relações Internacionais da Universidade Nottingham Trent.
Mas “talvez perdida nos debates sobre se Israel pode derrotar o Hezbollah (e o Hamas em Gaza), como o Irão (principal apoiante do Hezbollah e do Hamas) responderá e quem vencerá no final, está a possibilidade de o Líbano fracassar como um estado se essa guerra se intensificar” – o que “não serve aos interesses de ninguém”.
O Líbano é um país vulnerável, atormentado por crises económicas e políticas devastadoras, corrupção, violações de direitos humanos e quebra de confiança entre o governo e a sociedade na última década. A sua economia é frágil, nunca tendo recuperado da crise financeira global de 2008-2009. A pandemia da covid-19 atingiu a economia libanesa ainda a tentar recuperar do colapso do seu sistema financeiro em 2019 e dos seus níveis insuportavelmente altos de dívida, em 2020.
As pressões inflacionárias globais e de custo de vida “minaram ainda mais a capacidade dos libaneses comuns de se sustentarem – a si mesmos e às suas famílias”. O país sofreu “uma hemorragia de capital nos últimos anos e muito poucos investidores estrangeiros têm estômago para arriscar o seu capital” no país, diagnostica El-Anis. O rendimento per capita “diminuiu substancialmente e permanece muito baixo”, à volta de 3.000 euros – abaixo dos cerca de 9.000 em 2018).
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A economia do Líbano entrou em reversão desde a crise de 2019, com o produto interno bruto a cair de 54 mil milhões de euros em 2018 para apenas 22 mil milhões atualmente, à qual se juntam uma desvalorização de 95% da libra libanesa e uma inflação que atingiu 200%. “Quase metade da população está agora abaixo do limiar da pobreza“, assinala Imad El-Anis.
Registou-se “uma quebra no descarte de resíduos e no fornecimento de eletricidade (a empresa estatal de energia do Líbano luta para fornecer até duas horas de eletricidade por dia)”. As reservas de moedas estrangeiras estão “excecionalmente baixas” e o Líbano tem um deficit comercial de cerca de cerca de 8,2 mil milhões de euros a cada ano – o que “tem prejudicado ainda mais a capacidade de o libanês comum ter acesso a bens e serviços de que precisa para sobreviver (e muito menos prosperar)”.
Guerra em perspetiva
Mesmo guerras curtas “tendem a ter efeitos económicos devastadores, que duram muito para lá do fim do confronto” propriamente dito. “Se a história nos diz algo sobre o conflito atual, é que podemos esperar uma luta prolongada e intensa” entre Israel e o Hezbollah. “Esta guerra poderá facilmente destruir a economia libanesa, levando a totalidade do país ao colapso.”
Não seria a primeira vez que isto acontece. “Há paralelos com o turbulento início dos anos 1970 e a eclosão da guerra civil libanesa de 1975-1990 . O afluxo de aproximadamente 1,5 milhão de refugiados sírios desde o início da guerra civil em 2011 colocou pressões insuportáveis sobre o fornecimento de bens e serviços no Líbano. A procura por assistência médica, educação, serviços públicos e habitação excedeu em muito a oferta.”
A comunidade internacional ajudou o Líbano a acolher refugiados sírios com uma série de iniciativas, incluindo o Pacto UE-Líbano de 2016, plano de ajuda financeira no valor de vários milhares de milhões de euros. No entanto, “o apoio financeiro e material fornecido tem sido insuficiente”. O Líbano “tem-se esforçado sob as pressões de ter a maior proporção de refugiados por cidadão do mundo”, enquadra El-Anis.
Um estado falido?
Não bastava a turbulência económica e financeira “tão más”, acrescente-se o facto de o cenário político libanês continuar entre os mais fraturados e contenciosos da região. “O Líbano não teve um conjunto de instituições estatais totalmente funcionais durante boa parte dos últimos cinco anos. Intensas rivalidades políticas e divisões entre partidos políticos levaram a que o governo não pudesse funcionar, de todo.”
Agora, o conflito entre Israel e o Hezbollah significa milhões de pessoas comuns a enfrentarem “sérias ameaças às suas vidas e meios de subsistência, sem que o governo possa fazer algo para ajudá-las”.
Até um milhão de civis no Líbano foram deslocados e muita da infraestrutura e propriedade privada foram destruídas em todo o país, antes ainda de a invasão terrestre começar”, assinala o especialista em Relações Internacionais Imad El-Anis.
“Há poucas dúvidas de que um novo executivo política esteja está a caminho. Israel pretende mudar permanentemente o equilíbrio de poder, ao garantir que o Hezbollah deixe de ser uma ameaça militar viável”, observa.
“Há paralelos claros com a invasão do Líbano por Israel em 2006 (a guerra dos 34 dias) e a invasão muito mais ampla de 1982. O conflito de 2006 devastou as infraestruturas do Líbano, enquanto a invasão de 1982 durou até 2000, levando a uma imensa destruição, dificuldades, insegurança e instabilidade.”
O conflito atual pode desestabilizar o Líbano “a tal ponto que existe de facto potencial para uma segunda guerra civil” – que “não serviria os interesses de ninguém”. “Um Líbano instável, devastado e fracassado só terá ramificações negativas para todos, no Oriente Médio, incluindo para Israel.”
“Se a lógica de os fortes fazerem o que querem e os fracos sofrerem o que devem for permitida, apenas o colapso e a ruína restarão no Líbano, no Médio Oriente e mais além. É imperativo que o senso e a razão prevaleçam e a guerra entre Israel, Hamas e Hezbollah diminua, considera Imad El-Anis, professor de Relações Internacionais da Universidade Nottingham Trent.
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