Israel à beira de cometer erro histórico se consumar a invasão do Líbano
Embora os ataques de 7 de outubro do Hamas contra Israel tenham desencadeado as hostilidades, até há uma semana ambos os lados pediam moderação. O que mudou? Uma invasão do Líbano, terrestre, tornou-se inevitável? E o que significaria isto para o Hezbollah e o Líbano?
A morte do líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, num ataque aéreo israelita em Beirute, em 27 de setembro, deixou a organização militar libanesa sem liderança num momento crítico. Dois dias antes, num discurso transmitido para todo o mundo, o chefe do comando norte das Forças de Defesa de Israel (IDF), o Tenente-General Herzi Halevi, avisou os soldados para se prepararem para uma possível incursão no Líbano.
“Há todos os motivos para acreditar que o ataque aéreo de sexta-feira, que teve como alvo o edifício-sede do Hezbollah no subúrbio de Dahiyeh, ao sul de Beirute, foi uma preparação para uma possível incursão. Ocorreu após dias de ataques que Israel alega terem eliminado grande parte da liderança superior do Hezbollah”, acreditam Vanessa Newby e Chiara Ruffa, especialistas em Ciência Política.
Halevi disse às suas tropas em 25 de setembro que iriam “entrar decididamente e destruir o inimigo” nas infraestruturas do Hezbollah. Como o Hezbollah está enraizado na população libanesa, a estratégia “promete a morte de civis inocentes”, confirmam Newby e Ruffa.
Desde 2006, tanto o Hezbollah quanto a IDF têm procurado evitar um confronto direto. Ao longo de anos, têm praticado ataques olho por olho, com a lógica da proporcionalidade para evitar uma guerra total.
Embora os ataques de 7 de outubro contra Israel perpetrados pelo Hamas tenham desencadeado um regresso às hostilidades, até há uma semana ambos os lados pediam moderação. O que mudou? Uma invasão terrestre é agora inevitável? E, se sim, o que significaria isto para o Hezbollah e para o Líbano?
“Israel tem um histórico de envolvimento em aventuras militares no Líbano que só serviram no longo prazo para tornar os seus opositores mais fortes. A destruição da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) não impediu o surgimento do Hamas – na verdade, ajudou a criá-lo”, consideram. Da mesma forma, a perseguição de Israel à OLP no sul do Líbano “desencadeou a criação do Hezbollah”. Apesar de cinco invasões desde 1978, Israel mostrou-se incapaz de ocupar com sucesso “a menor lasca de terra libanesa”.
Embora ambos os lados estivessem há anos a preparar-se para um novo conflito, o gatilho para a escalada começou em 18 de setembro, quando Israel deu o primeiro golpe, ao detonar milhares de pagers e dispositivos móveis de agentes do Hezbollah, matando, pelo menos, 32 e ferindo milhares de pessoas.
Este ataque tecnológico “levou anos a ser preparado” e poderia ser descrito como “um golpe de mestre estratégico para desabilitar o inimigo”. O momento parece ter sido porque “o Hezbollah estaria a começar a levantar desconfianças sobre os dispositivos”. A IDF teve de agir ou perder o “efeito surpresa”. Isto sugere que considerações operacionais estão a ter prevalência sobre estratégicas e políticas, o que “raramente é boa ideia”.
No entanto, acredita-se que estes ataques tenham prejudicado o comando do Hezbollah no curto prazo e encorajado a liderança das IDF. Em 18 de setembro, o ministro da defesa de Israel, Yoav Gallant, disse às tropas israelitas que estavam “no início de uma nova fase na guerra, que requer coragem, determinação e perseverança”. Embora não tenha mencionado os dispositivos explosivos, elogiou o trabalho do exército e das agências de segurança de Israel, observando que “os resultados foram excelentes”.
Uma tática usada nos últimos dias pela IDF foi desenvolvida ao longo de muitos anos na Linha Azul, fronteira que, de facto, divide Israel e Líbano. Encorajados pelo fracasso da IDF em derrotá-la na guerra de julho de 2006, os líderes superiores do Hezbollah têm sido ativos e visíveis na Linha Azul, controlada de perto pela IDF.
Isto permitiu às IDF fotografarem, identificarem e rastrearem a liderança do Hezbollah, levando-nos a que, desde 7 de outubro, vissemos uma sucessão de assassinatos dos seus principais agentes, incluindo Ibrahim Aqeel, comandante da força de elite Radwan do Hezbollah, e, mais recentemente, Mohammed Sarour, em Beirute, assim como outros.
A IDF acredita agora ter o Hezbollah ‘de joelhos’ – ou quase. A escalada que estamos a testemunhar atualmente “deve-se ao facto de a IDF estar a alcançar vantagem e a aplicar a mesma estratégia de Gaza: bombardear qualquer área alegando tratarem-se de alvos do Hezbollah.
A estratégia, claro, teve consequências devastadoras para a população libanesa. O Ministério da Saúde declarou na sexta-feira que 1.540 pessoas foram mortas desde 8 de outubro de 2023, com milhares de civis inocentes feridos. Mais de 70 mil foram registados em 533 abrigos em todo o Líbano, com uma estimativa de um milhão de pessoas deslocadas das suas casas.
Conseguirá o Hezbollah reagir?
A morte de Nasrallah deixou o Hezbollah temporariamente sem liderança, enquanto a morte de várias das suas figuras de topo privaram-no de comandantes com experiência de combate, adquirida recente na Síria. Além disso, o bombardeamento contínuo do sul do Líbano está a reduzir o suprimento de foguetes e de outras armas do Hezbollah.
Israel “não deve, porém, assumir que o Hezbollah está fora do jogo ou subestimá-lo”, alertam as especialistas académicas Newby e Ruffa. A verdadeira força do Hezbollah residiu sempre “na sua capacidade de se fundir com população” e estará pronto para lançar “uma guerra de atrito com táticas de ataque e fuga se a IDF cometer o erro de voltar a colocar as botas no terreno”. O fato de todas as cinco invasões anteriores terem falhado “deve ser uma indicação de que o resultado pode ser uma repetição do que ocorreu entre 1982 e 2006”, avisam as cientistas políticas.
Além disso, embora a resposta do Irão à escalada tenha sido silenciada até agora, “é improvável que abandone o Hezbollah”. Um conflito longo, prolongado e de baixa intensidade favoreceria o tipo de tática assimétrica usada pelo “eixo de resistência”, que “também inclui o vizinho do Líbano, a Síria”.
Ao bombardear e deslocar a população libanesa, a IDF “visa reduzir o moral”. Neste momento, “está a destruir casas particulares e edifícios públicos” sob o argumento de que “são depósitos de armas e munições do Hezbollah”.
No Líbano, a questão da Palestina foi sempre considerada a causa principal da guerra civil de 1975 a 1990. Desta forma, as IDF “apostam que o povo libanês se voltará contra o Hezbollah por trazer uma nova guerra contra eles em resultado dos seus lançamentos de foguetes no norte de Israel, em solidariedade ao Hamas desde o ataque de 7 de outubro”.
Mas, embora haja muitas pessoas no Líbano que não apoiam o Hezbollah e suas atividades no sul do Líbano, “a IDF deve lembrar-se do passado”. “Mesmo que o sentimento contra o Hezbollah seja atualmente alto, bombardeamentos indiscriminados no Líbano, como aqueles que estamos a testemunhar, não serão indefinidamente tolerados pela população”.
“Vale a pena notar que em 1982, quando as IDF invadiram o sul do Líbano, alguns libaneses receberam-nas com arroz e flores – vendo-os como libertadores da OLP. A receção, porém, não durou muito.”
Em 2006, as IDF aplicaram uma estratégia semelhante, atingindo comboios de evacuação de civis e complexos da ONU. “Mais uma vez, a maré da opinião pública voltou-se rapidamente a favor de “al-muqawimah” (a resistência).
O objetivo declarado da IDF é expulsar o Hezbollah, de volta ao norte do rio Litani, para forçá-lo a cumprir a resolução 1701 da ONU e permitir que os civis deslocados no norte de Israel regressem às suas casas. No entanto, Newby e Ruffa consideram ser “ingénuo” Israel e IDF pensarem que uma invasão ou uma campanha de bombardeio, não importa quão bem-sucedida a curto prazo, permitirá que os civis civis israelitas vivam em paz ao longo da Linha Azul a longo prazo”.
Em última análise, a única forma de avançar é “ambas as partes sentarem-se à mesa e negociarem”. O custo humano da estratégia atual de Israel no Líbano “é assustador” e “criará mais ódio” – “fomentando uma nova geração de combatentes anti-Israel, em vez de criar a base para uma paz duradoura.”
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