Israel tem histórico de invasões mal sucedidas do Líbano – Será desta vez diferente?

Desde a Segunda Guerra Mundial, a aplicação da força bruta raramente serviu como substituto viável para a diplomacia na gestão de problemas mundiais. Poderá Israel – com os EUA por trás, mais uma vez – conseguir algo diferente nesta nova invasão do Líbano?

Israel tem histórico de invasões mal sucedidas do Líbano – Será desta vez diferente?

Após um bombardeio maciço no Líbano, Israel começou uma invasão terrestre do vizinho do norte. Tropas entraram no sul do Líbano numa tentativa de empurrar o Hezbollah para lá do Rio Litani, a 29 quilómetros da fronteira israelita. O objetivo declarado é facilitar o regresso de cerca de 60 mil israelitas deslocados às suas casas no norte de Israel.

Ao matar o líder do Hezbollah, Hasan Nasrallah, e vários dos seus comandantes, no fim de semana, Israel já “desferiu um golpe sério no grupo”, considera Amin Saikal, professor emérito de Estudos do Médio Oriente e da Ásia Central da Universidade Nacional Australiana.

Isto “impulsionou o perfil do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, apesar de a maioria do povo querer uma saída“. “Israel está agora pronto para repetir as suas operações de Gaza no Líbano, com vista a reordenar o Médio Oriente de acordo com os seus próprios interesses” – o que leva Saikal a questionar se Netanyahu “mordeu mais do que pode mastigar”.

Histórico de insucesso nas invasões do Líbano

“Israel já aqui esteve antes”, situa. Invadiu o Líbano até à capital, Beirute, em 1982, numa tentativa de eliminar a Organização para a Libertação da Palestina. “Tentava extinguir a resistência da Palestina à ocupação israelita da Cisjordânia, de Gaza e de Jerusalém Oriental, que existia desde a Guerra Árabe-Israelita de 1967.”

O início da década de 80, precisamente 1982, foi também o momento em que o Hezbollah foi formado, com a ajuda do governo islâmico recentemente estabelecido no Irão. Israel autorizou os aliados cristãos libaneses a massacrar centenas de palestinos nos campos de refugiados de Sabra e Shatila, em Beirute. Forçou ainda a Organização para a Libertação da Palestina a mudar a sede de Beirute para a Tunísia.

Israel criou então uma zona de segurança ao norte da sua fronteira, mas enfrentou forte resistência do Hezbollah. À medida que as baixas israelitas aumentavam, o então primeiro-ministro Ehud Barak levou a cabo uma retirada unilateral, em 2000, que “ampliou a popularidade e a força do Hezbollah como uma formidável força política e paramilitar contra Israel e os seus aliados”, lembra Amin Saikal.

Israel invadiu o Líbano em 2006 numa tentativa de acabar com o Hezbollah, mas falhou o objetivo. Após 34 dias de “uma luta sangrenta e custos substanciais para ambos os lados”, aceitou uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas para um cessar-fogo com o Hezbollah, emergindo triunfante.

Guerra desafiadora

Netanyahu se sente confiante no sucesso desta vez. Ele também tem o apoio de seus ministros extremistas, especialmente os de segurança nacional, finanças e defesa
Netanyahu sente-se confiante no sucesso, desta vez. Tem o apoio dos seus ministros extremistas, especialmente os da Segurança Nacional, das Finanças e da Defesa

Netanyahu sente-se confiante no sucesso, desta vez. Tem o apoio dos seus ministros extremistas, especialmente os da Segurança Nacional, das Finanças e da Defesa, de quem depende para a sua sobrevivência política doméstica.

Israel “tem mais poder de fogo do que nunca”. “Demonstrou-o na guerra de Gaza enquanto se vingava da matança de mais de mil israelitas pelo Hamas e do sequestro de cerca de 240 cidadãos israelitas e estrangeiros, em 7 de outubro.”

Em “operações de terra queimada”, as Forças de Defesa de Israel arrasaram áreas da Faixa de Gaza e mataram mais de 40 mil civis – 35% deles crianças – com mais dois milhões de pessoas obrigadas a deslocarem-se repetidamente.

Entretanto, a liderança de Netanyahu “ignorou as normas de guerra, o direito internacional humanitário, uma resolução do Conselho de Segurança da ONU para um cessar-fogo e o alerta do Tribunal Internacional de Justiça contra ações genocidas“. Desviou-se ainda, “descaradamente”, da condenação global generalizada das ações israelitas.

A reforçar a sua postura desafiadora está o apoio militar, financeiro e económico “de ferro” dos Estados Unidos da América a Israel. Washington acaba de aprovar mais um pacote de ajuda de 8,7 mil milhões de dólares (cerca 7,7 mil milhões de euros) em apoio à campanha de Israel no Líbano. Netanyahu “não apresentou qualquer razão convincente para ser recetivo aos apelos de Washington por contenção ou cessar-fogo”.

Será que desta vez será diferente?

Netanyahu e seus apoiantes alegaram que seu uso de força desproporcional é legítimo em autodefesa contra o que chamam de tentáculos terroristas (Hamas, Jihad Islâmica e Hezbollah) do polvo iraniano
Netanyahu alegar que uso de força desproporcional “é legítimo e em autodefesa” contra o que chamam de “tentáculos terroristas do polvo iraniano”

A confiança de Netanyahu “é reforçada ainda mais pela capacidade nuclear israelita”. Embora não declaradas, Israel possui alegadamente “muitas armas nucleares para dissuasão regional e supremacia militar na região”, afirma Sakal.

Netanyahu e os seus apoiantes alegaram que o seu uso de força desproporcional “é legítimo e em autodefesa” contra o que chamam de “tentáculos terroristas [Hamas, Jihad Islâmica e Hezbollah] do polvo iraniano“. Com os EUA e vários dos seus aliados ocidentais e árabes regionais a partilharem desta postura, Israel está agora “focado mais uma vez no empreendimento inacabado de erradicar o Hezbollah”.

O Hezbollah forma um elemento-chave do “eixo de resistência” do Irão contra Israel e os EUA. Netanyahu sabe que “destruir o grupo significaria a rutura do sistema de segurança nacional e regional do Irão” – e, mais grave, “não é avesso a arriscar um confronto direto com o Irão, enquanto permanecer assegurado pelo apoio total dos EUA”.

Não pode esperar-se que Teerão abandone o Hezbollah, apesar de outras prioridades de política interna e externa. O recém-eleito presidente iraniano Masoud Pezeshkian assumiu o poder com promessas de reduzir restrições políticas e sociais teocráticas e melhorar as condições de vida para a maioria dos iranianos.

Pezeshkian está também comprometido em melhorar as relações regionais e internacionais do Irão, incluindo a reabertura de negociações com o Ocidente (particularmente os EUA) sobre o programa nuclear do Irão, de forma a acabar com as sanções lideradas pelos EUA.

Pezeshkian parece ter o apoio do poderoso Líder Supremo Aiatolá Ali Khamenei, que demonstrou disposição para ser pragmático quando necessário. Seu ministro das Relações Exteriores Abbas Araghchi declarou que o Hezbollah é capaz de se defender. “Por enquanto, a abordagem de Teerão é deixar Israel preso no Líbano, como em ocasiões anteriores”, equaciona Amin Sakal.

Contudo, avisa que “o Hezbollah não é o Hamas”. “Está danificado, mas ainda muito bem armado e estrategicamente posicionado.” O grupo “será capaz de travar uma resistência sem fim à ocupação israelita? “Sim. E pode ter “altos custos humanos e materiais para o estado judeu”, o que também pode impedir muitos israelitas de regressarem a casa, no norte de Israel – como alegadamente pretende Netanyahu.

Nesta fase, “é importante lembrar dois pontos”. Um é que, “após uma campanha perniciosa de um ano, Israel ainda não conseguiu extinguir completamente a resistência do Hamas”. Como tal, “a tarefa de enfrentar o Hezbollah numa guerra terrestre pode revelar-se muito mais difícil e perigosa”. O outro é que, “tal como Netanyahu, o ex-presidente dos EUA George W. Bush procurou reordenar o Médio Oriente de acordo com as preferências geopolíticas dos EUA, intervindo no Afeganistão e no Iraque sob o disfarce de uma guerra contra o terrorismo e para promover a Democracia”. Só que as ações dos Estados Unidos da América acabaram por desestabilizar “ainda mais a região”.

Em conclusão, explica sobre a viabilidade dos intentos israelitas contra o histórico Amin Saikal, professor emérito de Estudos do Médio Oriente e da Ásia Central da Universidade Nacional Australiana, “desde a Segunda Guerra Mundial que a aplicação da força bruta raramente serviu como substituto viável para a diplomacia na gestão de problemas mundiais”. Ou seja, Israel poderá já ter cometido um erro histórico ao invadir o Líbano.

The Conversation

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