Israel tem histórico de invasões mal sucedidas do Líbano – Será desta vez diferente?
Desde a Segunda Guerra Mundial, a aplicação da força bruta raramente serviu como substituto viável para a diplomacia na gestão de problemas mundiais. Poderá Israel – com os EUA por trás, mais uma vez – conseguir algo diferente nesta nova invasão do Líbano?
Após um bombardeio maciço no Líbano, Israel começou uma invasão terrestre do vizinho do norte. Tropas entraram no sul do Líbano numa tentativa de empurrar o Hezbollah para lá do Rio Litani, a 29 quilómetros da fronteira israelita. O objetivo declarado é facilitar o regresso de cerca de 60 mil israelitas deslocados às suas casas no norte de Israel.
Ao matar o líder do Hezbollah, Hasan Nasrallah, e vários dos seus comandantes, no fim de semana, Israel já “desferiu um golpe sério no grupo”, considera Amin Saikal, professor emérito de Estudos do Médio Oriente e da Ásia Central da Universidade Nacional Australiana.
The Israeli military has begun a ground invasion of southern Lebanon, calling it a “limited, localised and targeted” assault on Hezbollah, supported by heavy artillery and air raids on nearby towns.
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— Al Jazeera English (@AJEnglish) October 1, 2024
Isto “impulsionou o perfil do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, apesar de a maioria do povo querer uma saída“. “Israel está agora pronto para repetir as suas operações de Gaza no Líbano, com vista a reordenar o Médio Oriente de acordo com os seus próprios interesses” – o que leva Saikal a questionar se Netanyahu “mordeu mais do que pode mastigar”.
Histórico de insucesso nas invasões do Líbano
“Israel já aqui esteve antes”, situa. Invadiu o Líbano até à capital, Beirute, em 1982, numa tentativa de eliminar a Organização para a Libertação da Palestina. “Tentava extinguir a resistência da Palestina à ocupação israelita da Cisjordânia, de Gaza e de Jerusalém Oriental, que existia desde a Guerra Árabe-Israelita de 1967.”
O início da década de 80, precisamente 1982, foi também o momento em que o Hezbollah foi formado, com a ajuda do governo islâmico recentemente estabelecido no Irão. Israel autorizou os aliados cristãos libaneses a massacrar centenas de palestinos nos campos de refugiados de Sabra e Shatila, em Beirute. Forçou ainda a Organização para a Libertação da Palestina a mudar a sede de Beirute para a Tunísia.
Israel criou então uma zona de segurança ao norte da sua fronteira, mas enfrentou forte resistência do Hezbollah. À medida que as baixas israelitas aumentavam, o então primeiro-ministro Ehud Barak levou a cabo uma retirada unilateral, em 2000, que “ampliou a popularidade e a força do Hezbollah como uma formidável força política e paramilitar contra Israel e os seus aliados”, lembra Amin Saikal.
Israel invadiu o Líbano em 2006 numa tentativa de acabar com o Hezbollah, mas falhou o objetivo. Após 34 dias de “uma luta sangrenta e custos substanciais para ambos os lados”, aceitou uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas para um cessar-fogo com o Hezbollah, emergindo triunfante.
Guerra desafiadora
Netanyahu sente-se confiante no sucesso, desta vez. Tem o apoio dos seus ministros extremistas, especialmente os da Segurança Nacional, das Finanças e da Defesa, de quem depende para a sua sobrevivência política doméstica.
Israel “tem mais poder de fogo do que nunca”. “Demonstrou-o na guerra de Gaza enquanto se vingava da matança de mais de mil israelitas pelo Hamas e do sequestro de cerca de 240 cidadãos israelitas e estrangeiros, em 7 de outubro.”
Em “operações de terra queimada”, as Forças de Defesa de Israel arrasaram áreas da Faixa de Gaza e mataram mais de 40 mil civis – 35% deles crianças – com mais dois milhões de pessoas obrigadas a deslocarem-se repetidamente.
Entretanto, a liderança de Netanyahu “ignorou as normas de guerra, o direito internacional humanitário, uma resolução do Conselho de Segurança da ONU para um cessar-fogo e o alerta do Tribunal Internacional de Justiça contra ações genocidas“. Desviou-se ainda, “descaradamente”, da condenação global generalizada das ações israelitas.
A reforçar a sua postura desafiadora está o apoio militar, financeiro e económico “de ferro” dos Estados Unidos da América a Israel. Washington acaba de aprovar mais um pacote de ajuda de 8,7 mil milhões de dólares (cerca 7,7 mil milhões de euros) em apoio à campanha de Israel no Líbano. Netanyahu “não apresentou qualquer razão convincente para ser recetivo aos apelos de Washington por contenção ou cessar-fogo”.
Será que desta vez será diferente?
A confiança de Netanyahu “é reforçada ainda mais pela capacidade nuclear israelita”. Embora não declaradas, Israel possui alegadamente “muitas armas nucleares para dissuasão regional e supremacia militar na região”, afirma Sakal.
Netanyahu e os seus apoiantes alegaram que o seu uso de força desproporcional “é legítimo e em autodefesa” contra o que chamam de “tentáculos terroristas [Hamas, Jihad Islâmica e Hezbollah] do polvo iraniano“. Com os EUA e vários dos seus aliados ocidentais e árabes regionais a partilharem desta postura, Israel está agora “focado mais uma vez no empreendimento inacabado de erradicar o Hezbollah”.
O Hezbollah forma um elemento-chave do “eixo de resistência” do Irão contra Israel e os EUA. Netanyahu sabe que “destruir o grupo significaria a rutura do sistema de segurança nacional e regional do Irão” – e, mais grave, “não é avesso a arriscar um confronto direto com o Irão, enquanto permanecer assegurado pelo apoio total dos EUA”.
Não pode esperar-se que Teerão abandone o Hezbollah, apesar de outras prioridades de política interna e externa. O recém-eleito presidente iraniano Masoud Pezeshkian assumiu o poder com promessas de reduzir restrições políticas e sociais teocráticas e melhorar as condições de vida para a maioria dos iranianos.
Pezeshkian está também comprometido em melhorar as relações regionais e internacionais do Irão, incluindo a reabertura de negociações com o Ocidente (particularmente os EUA) sobre o programa nuclear do Irão, de forma a acabar com as sanções lideradas pelos EUA.
Pezeshkian parece ter o apoio do poderoso Líder Supremo Aiatolá Ali Khamenei, que demonstrou disposição para ser pragmático quando necessário. Seu ministro das Relações Exteriores Abbas Araghchi declarou que o Hezbollah é capaz de se defender. “Por enquanto, a abordagem de Teerão é deixar Israel preso no Líbano, como em ocasiões anteriores”, equaciona Amin Sakal.
Contudo, avisa que “o Hezbollah não é o Hamas”. “Está danificado, mas ainda muito bem armado e estrategicamente posicionado.” O grupo “será capaz de travar uma resistência sem fim à ocupação israelita? “Sim. E pode ter “altos custos humanos e materiais para o estado judeu”, o que também pode impedir muitos israelitas de regressarem a casa, no norte de Israel – como alegadamente pretende Netanyahu.
Nesta fase, “é importante lembrar dois pontos”. Um é que, “após uma campanha perniciosa de um ano, Israel ainda não conseguiu extinguir completamente a resistência do Hamas”. Como tal, “a tarefa de enfrentar o Hezbollah numa guerra terrestre pode revelar-se muito mais difícil e perigosa”. O outro é que, “tal como Netanyahu, o ex-presidente dos EUA George W. Bush procurou reordenar o Médio Oriente de acordo com as preferências geopolíticas dos EUA, intervindo no Afeganistão e no Iraque sob o disfarce de uma guerra contra o terrorismo e para promover a Democracia”. Só que as ações dos Estados Unidos da América acabaram por desestabilizar “ainda mais a região”.
Em conclusão, explica sobre a viabilidade dos intentos israelitas contra o histórico Amin Saikal, professor emérito de Estudos do Médio Oriente e da Ásia Central da Universidade Nacional Australiana, “desde a Segunda Guerra Mundial que a aplicação da força bruta raramente serviu como substituto viável para a diplomacia na gestão de problemas mundiais”. Ou seja, Israel poderá já ter cometido um erro histórico ao invadir o Líbano.
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