ONU prevê queda de 50% na população chinesa refletindo custo da política de filho único
A crise demográfica vai reduzir a população da China em mais de metade até 2100, segundo novas estimativas da ONU, resultado da política de ‘filho único’ e mudanças na sociedade chinesa.
Nas estimativas globais publicadas esta semana, a ONU prevê que a população da China desça dos atuais 1,4 mil milhões para 639 milhões, até ao final deste século, uma queda bem mais acentuada do que os 766,7 milhões previstos há apenas dois anos.
Trata-se de um número otimista face a outras estimativas: investigadores da Academia de Ciências Sociais de Xangai previram que a China terá apenas 525 milhões de pessoas no final do século — uma queda de 62,5%.
Segundo dados oficiais, em 2023, a população chinesa diminuiu em dois milhões de pessoas, a segunda queda anual consecutiva.
Quando comparado a 2016, quando o país pôs fim à política de ‘filho único’, o número de nascimentos caiu de 17,86 milhões para 9,02 milhões, no ano passado – uma queda superior a 50%.
A política de ‘filho único’ reforçou a força de trabalho do país: com menos crianças, os jovens podiam ser mais produtivos.
Durante anos, quando a China estava a abrir a sua economia, a percentagem de chineses em idade ativa cresceu mais rapidamente do que a parte da população que não trabalhava. Este foi um fator importante para a acelerada transformação do país nas últimas décadas, mas que ameaça agora converter-se num ónus à medida que essa geração envelhece.
O relatório das Nações Unidas ilustra a forma como a janela demográfica da China se abriu mais rapidamente e de forma mais acentuada do que noutros países em desenvolvimento, para depois se fechar com igual rapidez.
A população chinesa com idades compreendidas entre os 20 e os 64 anos — idade ativa – cresceu mais rapidamente do que as crianças e os idosos nos anos que se seguiram à entrada em vigor da política. Antes de a política ser abolida, as trajetórias já se tinham invertido.
O impacto faz-se já sentir no encerramento em massa de jardins-de-infância: cerca de 15.000 estabelecimentos fecharam na China, no ano passado, já que o número de matrículas caiu 5,3 milhões, em comparação com 2022, segundo dados do governo.
“A situação é grave”, explicou Zhang Li, diretora de uma ‘startup’ do setor do ensino, à agência Lusa. “A seguir vão ser as escolas primárias e o ensino básico e médio”, apontou.
Mas o verdadeiro impacto na sociedade chinesa só se fará sentir em meados do século, quando muitos dos que nasceram durante a política do ‘filho único’ atingirem a reforma, enquanto continuam a cuidar dos pais idosos.
Em 2050, a ONU prevê que 31% dos chineses terão 65 anos ou mais. Em 2100, essa percentagem será de 46%, aproximando-se de metade da população.
Recorrer à imigração para contrair o envelhecimento populacional parece estar excluído: a China define-se como sendo um país de “não-imigração”. Pequim não reconhece a dupla nacionalidade. A atribuição de cidadania é baseada no princípio “jus sanguinis” (direito de sangue), podendo apenas ser atribuída a quem tem ascendência chinesa.
Mudanças profundas na sociedade chinesa excluem também uma recuperação no número de nascimentos.
“As mulheres estão mais conscientes”, explicou Zhao Hua, uma chinesa de 28 anos natural de Pequim, à agência Lusa. “A desigualdade de género continua a ser profunda na China: os homens querem uma família tradicional, na qual a mulher toma conta dos filhos e das tarefas domésticas”, acrescentou.
Várias jovens mulheres chinesas ouvidas pela Lusa sublinharam essa discrepância nas expectativas, numa sociedade que se modernizou a um ritmo sem paralelo na História moderna. Segundo o Banco Mundial, em 1980, apenas 19,4% da população chinesa vivia em zonas urbanas. Em 2023, a taxa ascendeu a cerca de 66%.
“As mulheres têm agora a sua própria carreira e rendimentos e não querem desempenhar esse papel”, explicou Yang Qian, chinesa natural da província de Hebei, adjacente a Pequim, à Lusa.
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By Impala News / Lusa
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