Três anos de guerra na Ucrânia: As batalhas mais sangrentas podem estar por vir
Ao fim de três anos, Trump “não é a principal causa da crise atual” na guerra na Ucrânia. “Há um problema mais sério” para os ucranianos, explica Alexandre Titov, professor de História Europeia Moderna.
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Pouco antes do terceiro aniversário da guerra na Ucrânia, desde a invasão russa em larga escala em 24 de fevereiro, o conflito tomou um rumo dramático e inesperado. Os EUA estão a abruptamente desenvencilhar-se do seu apoio à Ucrânia, depois da promessa anterior de que apoiariam Kiev durante “o tempo que fosse necessário”. A Europa entrou em pânico e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, entrou numa discussão pública com o recém-empossado presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump. É hoje claro, por isso, que Vladimir Putin esteja firmemente no topo. Trump “não é, porém, a principal causa da crise atual”. “Há um problema mais sério para a Ucrânia”, afirma Alexandre Titov, professor de História Europeia Moderna na Universidade Queen’s, de Belfast, Irlanda do Norte.
Quando a guerra estourou nas primeiras horas de 24 de fevereiro de 2022, o mundo ficou chocado, mas “não totalmente surpreso”. “Alertas de ataque da Rússia à Ucrânia tiveram a vantagem de preparar uma frente ocidental unida contra a Rússia”. “A determinação ocidental fortaleceu-se à medida que as expectativas de uma rápida vitória de Moscovo diminuíam e a autoconfiança da Ucrânia crescia. Este clima foi refletido na declaração de Josep Borrell, o alto representante da União Europeia para relações exteriores, em 9 de abril, de que a Rússia deveria ser derrotada no campo de batalha”, lembra Titov.
Duas semanas antes, o presidente dos EUA, Joe Biden, declarou que Putin não podia “permanecer no poder”. Em setembro de 2022, quando o exército ucraniano recapturou grande parte do território ocupado pela Rússia na região de Kharkiv, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, afirmou no parlamento da UE que a indústria da Rússia estava “em frangalhos” e que Moscovo estava a usar “chips de máquina de lavar louça” para os seus mísseis. Numa atmosfera de euforia, em 4 de outubro, Zelensky emitiu uma proibição oficial de negociações com Putin. Haveria apenas um resultado admissível para esta guerra: “a derrota de Putin”.
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O plano original de Putin havia “de facto falhado”. A Rússia recuava em Kharkiv e abandonava a sua posição estratégica na margem direita do Dnieper em Kherson. Em 21 de setembro, Putin “viu-se obrigado a declarar uma mobilização parcial, a primeira desde a Segunda Guerra Mundial, porque o exército profissional da Rússia estava a ficar sem homens”, regista Alexandre Titov.
Os ziguezagues da guerra na Ucrânia
“Como as coisas mudaram: à medida que a guerra se aproximava dos três anos, o humor triunfalista do Ocidente é agora uma memória distante.” Mark Rutte, secretário-geral da NATO, alertou em 13 de janeiro que “o que a Rússia agora produz em três meses é o que toda a NATO, de Los Angeles a Ancara, produz num ano” – muito longe da alegre afirmação de von der Leyen em 2022 de que a economia russa estaria “em frangalhos”.
Nos últimos dias à frente da Casa Branca, o governo Biden acorreu à Ucrânia com mais armas e impôs sanções mais duras a Moscovo – o que, apesar de tudo, não disfarçou o facto de que os EUA não poderiam continuar a financiar a Ucrânia como fizeram nos primeiros três anos de guerra. “Qualquer presidente dos EUA teria agora dificuldades para aprovar no Congresso outro projeto de lei de financiamento da Ucrânia”, afirma Titov. “Trump não é um presidente qualquer dos EUA e, no seu primeiro mês, alterou a política do seu país para a Ucrânia de forma caracteristicamente dramática e abrupta.”
O problema subjacente, no entanto, “sempre esteve lá”: o que fazer com esta guerra que “a Ucrânia não vai vencer” e na qual “a Rússia está lentamente a ganhar vantagem”. “Ficou claro desde o fracasso da tão alardeada contraofensiva da Ucrânia no verão de 2023 que a Ucrânia não pode vencer militarmente”. Portanto, “continuar a abastecer a Ucrânia aos níveis atuais só pode prolongar a luta, não mudar o curso da guerra”.
Da perspectiva de Trump, “esta foi uma guerra de Biden entretanto perdida”. Politicamente, “é muito mais fácil para Trump tentar a paz do que os seus colegas europeus porque fez campanha com uma mensagem anti-guerra, culpando repetidamente Biden pela guerra e ao afirmar que ela nunca teria acontecido se ele fosse presidente”. “Trump quer encontrar uma solução rápida e seguir em frente. Se falhar, pode lavar as mãos e deixar os europeus com a ‘batata quente’ nas mãos.
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A Europa “não sabe claramente o que fazer agora”. “Não pode aceitar a derrota, mas também não pode fingir que a Ucrânia pode vencê-la sem o apoio dos EUA. É sinal do seu desespero que, em ‘reuniões de emergência’ convocadas pelo presidente francês, Emmanuel Macron, passem tanto tempo a discutir cenários hipotéticos e, francamente, altamente improváveis, para enviar tropas europeias para a Ucrânia”, critica Alexandre Titov
Após conversações com os EUA na Arábia Saudita, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, deixou clara a posição russa. “As tropas dos países da NATO [na Ucrânia] sob bandeira estrangeira – uma bandeira da UE ou qualquer bandeira nacional, é inaceitável”, disse. “Os europeus não estão simplesmente em posição de impor condições ao Kremlin”, diagnostica Titov. Como tal, “o melhor que a UE pode fazer no terceiro aniversário da invasão é revelar mais um pacote de sanções, o décimo sexto”. Agora que os EUA mudaram de ideias sobre os seus objetivos de guerra, no entanto, “não há como esconder o facto de que a estratégia de guerra da Europa está realmente ‘em frangalhos'”.
Ponto final ou reticências?
A Rússia não está sob pressão para apressar-se num acordo que não lhe agrade. Os termos de Moscovo são conhecidos: “reconhecimento formal de que as quatro regiões anexadas em setembro de 2022, mais a Crimeia, fazem agora parte da Rússia e retirada das restantes tropas ucranianas dessas regiões”. “Kiev deve prometer neutralidade permanente, limites para as suas forças armadas e deve reconhecer e estabelecer direitos de língua russa na Ucrânia e proibir partidos de extrema direita”, enumera o professor o professor de História Europeia Moderna.
Estes termos são contudo “completamente inaceitáveis para Kiev”. E embora “não haja uma boa saída, a Ucrânia ainda não está numa posição suficientemente desesperada para aceitar este acordo”. A única forma de forçar as exigências russas a Kiev “é um colapso militar completo das forças da Ucrânia, o que não parece provável por enquanto, ou uma pressão concertada de um Ocidente unido para ‘engolir’ os termos ‘inaceitáveis’ impostos pelo regime de Putin”. O Ocidente está, todavia, “dividido sobre esta questão, com os europeus a insistirem que a Ucrânia deve continuar a lutar” até poder negociar “numa posição de força”.
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Trata-se de “uma suposição heroica, a de que a Ucrânia estará numa posição mais forte neste quarto ano de guerra”. Após o pico de confiança no início de 2023, quando Zelensky declarou que 2023 seria “o ano da vitória”, cada aniversário subsequente à invasão demonstrou “uma posição de Kiev mais fraca”. Ainda assim, “nas tendências atuais, seria necessário ir até ao final do ano para a Rússia capturar o resto da província oriental do Donbas, sem a qual o fim da guerra é improvável, seja de forma for”.
Por estas razões, “não há garantia de que as negociações EUA-Rússia levem a uma resolução do conflito”. Isto significa “infelizmente que as batalhas mais sangrentas da guerra ainda estão por vir, enquanto os militares russos pressionam para maximizar a sua vantagem militar”. “De acordo com os desejos de Josep Borrell, o resultado desta guerra ainda será, provavelmente, decidido no campo de batalha”, duvida Alexandre Titov, professor de História Europeia Moderna na Universidade Queen’s, de Belfast, Irlanda do Norte.
Imagem: Алесь Усцінаў
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