Cooperativa apoiada pela Fundação Aga Khan ensina mulheres a costurar uma nova vida
A cadência das máquinas denuncia que alguma coisa se passa no número 128 da Rua Damasceno Monteiro, em Lisboa. É a cooperativa Bandim a formar costureiras oriundas de várias partes do mundo, de Angola ao Afeganistão.
A Bandim formalizou-se há cerca de dois anos como projeto independente e tem entre os vários parceiros a Fundação Aga Khan, fundada pelo líder dos muçulmanos xiitas ismailis, que morreu hoje em Lisboa, aos 88 anos.
Maria Helena, 54 anos, chegou de Luanda em 2011, com insuficiência renal. Com algum o apoio do Governo de Angola, instalou-se numa pensão, nos Anjos, e iniciou tratamentos de hemodiálise, a que se seguiu um transplante.
“Lá em Angola não tem nada disso. Estou aqui porque lá não temos condições de vida. Uns estão a morrer lá em Angola”, conta à agência Lusa, sem largar a máquina de costura em que trabalha uma peça em forma de peixe, num bordado picotado a várias cores.
O lema da Bandim podia ser cor, muita cor. A oficina, que funciona num espaço cedido pela Junta de Freguesia de Arroios, está decorada com a multiplicidade de peças que ali se produzem pelas mãos de Maria Helena e de outras mulheres migrantes.
As formações em costura, num total de cerca de 100 horas cada, visam capacitar as mulheres para trabalharem em coleções desenvolvidas dentro da cooperativa – que são vendidas coletivamente -, mas também ajudá-las a arranjar trabalho como costureiras noutro lugar.
Filha de alfaiate, Maria Helena já fazia alguns bordados em casa e confeciona quimonos para a mãe. Agora, que já sabe “coser bem”, tenciona começar a produzir para vender.
“É bom aprender a fazer essas coisas, é muito bom. E aqui tem pessoas que ajudam, mesmo se precisarmos de um documento e assim”, diz. A viver num quarto “muito pequeno”, a artesã angolana sonha com uma casa e anima-se quando conta que já vendeu peças para o Brasil.
Foi através do Governo português e da Rede Aga Khan que Shahnaz, 33 anos, chegou a Portugal como refugiada do Afeganistão, depois de passar pelo Irão, pela Turquia e pela Grécia.
Com formação em economia, aprende agora a coser com novas linhas. Trabalhava num banco e dava aulas de inglês numa escola privada, antes de abandonar o Afeganistão por “motivos de segurança”.
Na Bandim, que frequenta com a irmã, proprietária de uma loja de confeção no Afeganistão, dedica-se a um novo projeto: “Estamos a fazer flores para colocar na roupa, o plano é fazer roupas, por agora”, avança.
“Não tem sido muito fácil, precisamos de apoio e aqui estamos a aprender”, afirma, recordando que no Afeganistão tinha uma família “muito grande” – como é habitual na Ásia -, na qual os mais velhos faziam tudo para os mais novos.
“Na Europa é diferente. Quando tens 18 anos, vais [embora], mas está tudo bem” (risos). No final da conversa corre a mostrar o trabalho que já produziu, aplicações de flores em sacos e vestidos simples.
Milene Pereira, vice-presidente da Bandim, explica que a formação tem vários níveis e que no final, as formandas estão aptas para trabalharem como costureiras noutro lugar, se quiserem.
Milene chegou do Brasil há 20 anos e, aos 50 anos, gere a Bandim com Farhana Akter (presidente), natural do Bangladesh.
É Farhana, 41 anos, que dá conta das dificuldades com que se depara a cooperativa para dar resposta às necessidades das mulheres que a procuram. “Temos 21 nacionalidades e mais de 82 membros”, diz.
A Bandim precisa de apoio financeiro e institucional para poder apoiar as situações familiares que lhe chegam, a vários níveis, embora nem todas as mulheres precisem de dinheiro: “Algumas senhoras vêm só para terem a companhia de outras, porque estão sozinhas”.
O espaço tem sido procurado por estudantes de mestrado e investigadores na área das migrações, o que leva a presidente a considerar que a diversidade cultural e a partilha de saberes que ali se cruzam constitui uma boa fonte de investigação.
É neste sentido que está a desenvolver contactos com investigadores da Universidade Nova de Lisboa na área da Antropologia, com o objetivo de levar a investigação e a educação para a Bandim.
“Muitas pessoas aqui não falam português, nem inglês. Umas só falam línguas africanas ou asiáticas. Juntas criamos algo que é absolutamente único. Às vezes, comunicamos por gestos”, resume a antiga professora de inglês, que em Portugal assume a função de mediadora intercultural e ensina como se fazem os bordados do Bangladesh.
A cooperativa tem também uma preocupação de sustentabilidade, aceita doações de tecidos e trabalha essencialmente com retalhos. Neste momento precisa de “lãs velhas” para o enchimento dos peixes transformados em almofadas e peças decorativas suspensas nas paredes.
Além das peças expostas na montra da oficina, os artigos são vendidos no mercado, do outro lado da rua, e em lojas que comercializam produtos originais.
A Bandim, com oficinas em Lisboa e em Sintra, orgulha-se de acolher ideias, culturas, artes e ofícios de todo o mundo para criar “uma marca de pessoas para pessoas, sob o sol de Portugal”.
*** Ana Mendes Henriques (texto) e Manuel de Almeida (fotos), da agência Lusa ***
AH // FPA
By Impala News / Lusa
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