Maria Guadalupe Simões: «O foco deixou de ser a luta dos enfermeiros para ser outra coisa qualquer»
Em entrevista ao Portal de Notícias Impala, ainda antes do anúncio da Ministra sobre a retoma das negociações, Maria Guadalupe Simões, responsável do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) fala sobre a posição da associação de trabalhadores num momento de viragem na luta dos enfermeiros.
O Ministério da Saúde divulgou esta sexta-feria, dia 22 de fevereiro, que as negociações entre o Governo e os enfermeiros vão ser retomadas nos primeiros dias de março. Depois de um braço de ferro entre o Governo e os enfermeiros desde novembro de 2018, muitos são os sinais de que os vários sindicatos dos enfermeiros não se encontram todos na mesma página. O Portal de Notícias Impala entrevistou Maria Guadalupe Simões, responsável pelo Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP), para averiguar qual a perspectiva da associação de trabalhadores com mais enfermeiros sindicalizados em Portugal (cerca de 16 mil) sobre a luta destes profissionais de Saúde, nas últimas semanas.
Qual é a posição do SEP sobre o parecer da Procuradoria-Geral da República, que considera a greve dos enfermeiros nos blocos operatórios ilícita?
Nós estamos neste momento a aguardar a decisão do Tribunal e, por isso, não nos pronunciamos até haver uma decisão.
O SEP apoia a greve de fome de Carlos Ramalho, presidente do Sidenpor?
Nós não temos posição sobre isso. Foi uma decisão de um outro sindicato, portanto não temos nada a dizer sobre essa manifestação.
Numa entrevista dada ao Portal de Notícias Impala, Carlos Ramalho disse que «o SEP, curiosamente, ainda não se pronunciou [sobre a greve de fome]. É porque não está com os enfermeiros». Quer comentar estas declarações?
Essas declarações de um colega sindicalista são difíceis para nós nos pronunciarmos. No entanto, estou seguramente certa que o enfermeiro Carlos Ramalho reconhece o trabalho que tem sido desenvolvido pelo SEP, ao longo destes anos, e que recorda todas as conquistas que este sindicato trouxe à profissão de enfermagem. Lembro, por exemplo, o trabalho que fizemos que resultou nas 15 alterações à carreira de enfermagem que foram feitas desde 1981 até 2009. Mesmo durante o percurso destas últimas negociações, o SEP foi o sindicato que promoveu as reuniões conjuntas com todos as outras associações. Destas reuniões conjuntas saiu um compromisso entre todos os sindicatos que, em torno das negociações da carreira, todas as iniciativas de luta que pudessem vir a ser desenvolvidas seriam feitas e discutidas em conjunto. Não foi o SEP que quebrou esse compromisso, antes pelo contrário, foram os outros sindicatos. Por isso, no que diz respeito à união e à defesa dos enfermeiros, o SEP está muito tranquilo.
Acha que esta tensão entre os vários sindicatos dos enfermeiros prejudica a retoma das negociações?
Não entendemos que exista alguma tensão entre os sindicatos. Os sindicatos são associações de direito privado que representam os seus sócios, que representam também os enfermeiros. O SEP sempre promoveu a união entre os sindicatos dos enfermeiros. Não fomos nós que quebrámos esses compromissos e depois cada estrutura sindical, naturalmente, vai decidindo o que fazer e o que desenvolver dentro dos seus próprios órgãos. O SEP decide dentro dos seus órgãos próprios qual o caminho a desenvolver face ao que é o quadro geral que existe no País, às reivindicações dos enfermeiros e, portanto, é esse caminho que continuaremos a traçar na certeza absoluta que temos que responder aos anseios dos enfermeiros. O SEP esteve sempre presente nas negociações com o Governo.
Considera, então, que os enfermeiros estão unidos na luta que avizinha?
Os enfermeiros o que sabem e o que sentem é que estão a ser injustiçados em várias matérias. Desenvolveram uma série de lutas pela valorização e dignificação da sua carreira. Esse foi o compromisso que foi assumido por parte do Governo e, quando as negociações foram encerradas de forma unilateral por parte do Ministério da Saúde, o que se assiste é que a expectativa de que essa valorização pudesse vir a ser materializada em mais salário não se concretizou. Portanto, é natural que os enfermeiros se sintam injustiçados e têm toda a razão. Por isso, teremos de continuar o caminho da luta, da exigência, das reivindicações, para que, no mais curto espaço de tempo, possamos concretizar e melhorar a condições de vida dos enfermeiros.
Acha que existe «ruído» na comunicação-social sobre a greve dos enfermeiros como referiu Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros?
Sim, é verdade que tem havido muito ruído na comunicação-social. O SEP, ao longo destes anos todos, tem tido o cuidado de, sempre que invoca uma greve, explicar aos utentes e explicar à população as razões pelas quais os enfermeiros entram em processos de luta. Isto, porque entendemos que um dos nossos parceiros e um dos nossos apoios é precisamente a população. Se as pessoas perceberem que os enfermeiros ao exigirem melhores condições de trabalho também estão, consequentemente, a exigir melhores condições para lhes prestar melhores cuidados, a população, como já se viu no passado, está do lado dos enfermeiros. O que assistimos neste momento é de facto algum ruído que se traduz numa má interpretação por parte da população do que são as reivindicações dos enfermeiros. Especialmente porque o foco deixou de ser a luta dos enfermeiros, para ser outra coisa qualquer. Isto significa que o nosso trabalho tem de ser outro. Temos de explicar que os enfermeiros são poucos nos serviços e que, acima de tudo, estão a pedir melhores condições para prestar melhores cuidados. As razões que levam os enfermeiros são justas só não têm sido bem explicadas, por vezes.
Considera que o Governo tem alarmado a opinião pública sem justificação?
Acho que o Governo está a fazer o seu papel, tal como todos os outros governos o fizeram. O que significa que para lutarmos contra isso temos de ser melhores que eles. Para isso temos de mostrar factos que permitam, de uma forma muito clara, mostrar às pessoas a realidade. E assim, tentar que a nossa voz se eleve sempre que os governos tentarem diminuir a luta dos enfermeiros.
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Texto: Mafalda Tello Silva
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