Reportagem WiN | O lado negro da fama
As figuras públicas têm aparentemente a vida perfeita. Porém, há o lado negro da fama, que esconde ilusões, depressões, solidão e desespero.
Coloque-se no lugar de um famoso. Tudo em redor parece existir por sua causa. O circo da fama está armado. O palco é seu. Os holofotes estão apontados para si e de repente parece ter-se tornado inspirador, irresistível, magnético. Tudo o que diz é importante; o que diz, com quem anda e o que faz. Todas as atenções estão voltadas para si, até nos momentos em que não quer. Com tudo o que há de bom e de mau, você é famoso. E agora?
De um lado, estão o reconhecimento do público, a conta bancária desafogada e a admiração dos fãs. Do outro, as críticas, a invasão de privacidade, a falta de liberdade e a ampliação – nada é um pormenor, pois você passou a ser um exemplo, alguém que não pode falhar porque, se isso acontecer, as críticas serão avassaladoras.
Os dois lados da fama
Quem atinja o estrelato e não possua estrutura psicológica sólida corre riscos graves. Os bons momentos da fama «são mesmo bons, com certeza que sim, e só se fosse perfeitamente pateta é que dizia que não», admite Simone de Oliveira. «Mas tem os dois lados», adverte. Por exemplo, ter de lidar com «situações desagradáveis como telefonarem para casa dos meus pais a dizerem que eu tinha morrido». Ou «escrever-se que eu tinha Alzheimer, e olha-se para mim e vê-se se tenho ou não».
O barranquenho Zé Maria tornou-se famoso instantaneamente, ao vencer o primeiro Big Brother em Portugal. Treze anos depois, perdeu tudo o que a fama lhe proporcionou: dinheiro, carros, viagens, negócios. Problemas financeiros e solidão foram as causas apontadas para a primeira de várias tentativas de suicídio. Foi internado por diversas vezes, de agosto de 2004 a setembro de 2009. Parece ter reencontrado o equilíbrio apenas quando regressou ao seio familiar e às ruas desertas do país profundo, Barrancos. A fama «pode ser solitária e destruidora», assegura João Reis, ator
A fama deixa o famoso sozinho na multidão
Sozinhos na multidão
A fama, contrariamente ao que seria de supor, «pode ser solitária e destruidora», adverte João Reis. «Sobretudo se cria ilusões assentes na visibilidade a todo o custo ou num desassossego que nos afasta do essencial (seja lá o que isso for).» A aparente contradição entre ser-se muito conhecido e o sentimento de solidão é igualmente explicada por Sofia Grillo. Num momento, «estamos no palco, no final de um espetáculo, a ser aplaudidos por centenas de pessoas». E depois, «chegar a casa e não encontrar ninguém, apenas ouvir o silêncio, pode ser duro». «Falo por mim, que estou nesta vida há 20 anos, e pelo que vou ouvindo dos mais velhos, com quem venho aprendendo tanto ao longo destes anos», enquadra a atriz.
«Claro que sim, a fama é solitária, e é preciso aprender a gerir isso muito cedo», adverte Simone de Oliveira. Herman José anui e explica, mais abrangente, por que motivo o caminho da fama leva, no fim da estrada, à solidão. «A fama é sempre solitária. Por cada sucesso, ganha-se um punhado de inimigos poderosos. Quanto mais continuada, maior tem de ser a vigilância e a resiliência.»
Sozinho na multidão, o famoso busca conforto, na maioria das vezes nas manifestações de veneração – o aplauso. «Não há profissão que não precise de aplausos ou de reconhecimento, qualquer que seja a sua escala de visibilidade», argumenta João Reis. Pior é o caso das «‘pseudodivas’, que se não recebem um aplauso deprimem», testemunha José Figueiras, apresentador de televisão.
Frank Sinatra é o exemplo internacional mais fiel de que a fama e o aplauso viciam. Conta-se que na fase decadente sofria dolorosa e fisicamente quando estava algum tempo sem receber o aplauso do público. Estava viciado em reconhecimento e dependia de administrações regulares de veneração.
A Psicologia admite aliás que alguns aspetos da fama são «uma perversão, uma doença», confirma Jacob Goldberg, professor convidado de inúmeras instituições universitárias nos Estados Unidos América e na Europa, autor de mais de dois mil ensaios, livros, crónicas e palestras e que recebe inúmeras celebridades nos seus consultórios. É um dos maiores especialistas do Mundo na área.
Complexo de Édipo
O humorista português mais reconhecido da atualidade recusa padecer desta ou de qualquer outra doença do género. «Não venho armado em diva», avisava Herman José ao regressar à RTP para o Herman 2010. «É humildemente e muito motivado que encaro este projeto.» Dez anos antes, porém, quando Emídio Rangel o convenceu a trocar a televisão pública pela SIC, teve tratamento ímpar; de diva.
Ao longo de meses, a primeira estação de TV portuguesa privada – líder incontestável de audiências na altura, viragem do século – quase o proclamava messias, coroando-se: «Herman José a caminho da SIC», «Herman José a caminho da SIC», «Herman José a caminho da SIC». Quando finalmente chegou, em fevereiro de 2000, mostrou as solas rotas, porque nos meses anteriores a «caminhada» lhe parecera infindável.
Pouco tempo depois do regresso do filho pródigo à casa-mãe – a televisão do Estado onde fora, lá sim, verdadeiramente coroado –, Herman viu o programa terminar de forma abrupta por «falta de competitividade», justificava a direção de programas da estação. Herman volta aos espetáculos de estrada, proclama o regresso a dias mais felizes e recusa qualquer tipo de dependência com os contornos da de Frank Sinatra. «Sou de tal maneira feliz fechado no meu mundo – como bom filho único que se preza – que, desde que tenha conforto e saúde, sou infinitamente feliz na minha companhia e dispenso os aplausos. No entanto, como tenho a mania do perfeccionismo, quando trabalho faço minhas as palavras da poesia do Carlos Tê na fantástica canção do Rui Veloso Jura: ‘a ter de ser, ao menos que valha a pena’.»
«O Herman José parece que ratifica o tema da minha aula para a Universidade de Stanford, EUA – Cavalgar a Mula Sem Cabeça (Sentido e Existência)», enquadra Jacob Goldberg. «Basicamente, todo o espetáculo que montamos na nossa vida é para a cena dramática do filho único, que todos somos, por mais irmãos que possamos ter – [Complexo de] Édipo. Se a mãezinha aplaudir, conquistamos o mundo. Se rejeitar, de que adianta a plateia?»
Na solidão, introspetivo, o famoso descobre finalmente quem é. «Se não sabia quem era antes de ser famoso, a fama define-o», testemunha Oprah Winfrey, uma das mulheres mais mais célebres e que mais celebridades conhece no Mundo.
Escravos da imagem
O famoso vive em constante escrutínio. O público aceita que a avaliação possa ser subjetiva quanto à personalidade, e mesmo assim julga-a de forma radical – o ídolo parece-lhe docemente simpático ou insuportavelmente pedante –, mas quanto à imagem não admite margem de erro: a imagem é a imagem e os padrões são objetivos. A celebridade não atingiu uma certa idade, está velha; não ganhou quilos, é a Popota.
No lançamento de um novo produto de uma marca internacional de cosméticos, algumas famosas falaram-nos sobre a importância da imagem. A maioria trabalha em televisão. Há apresentadoras e atrizes. Foram conhecer um novo creme cuja multinacional batizou de creme milagroso. E se elas gostarem, a probabilidade de aceitação pelo público será maior.
Confrontamos Adelaide de Sousa com a constatação de Jacob Goldberg – «a televisão é tipicamente o caso da velha que acha que fazer cirurgias plásticas vai torná-la jovem». A apresentadora da SIC Mulher culpabiliza um certo «ideal de estética» que «pode escravizar» o famoso. «Mas isso até as coisas mais inócuas podem escravizar. A comida, se passar a ser a nossa obsessão, pode escravizar.»
Apesar de nos afirmar que convive «não muito bem» com a constante avaliação sobre a sua imagem, a sua beleza, Adelaide de Sousa aceita essa consequência da fama. «Chateia-me um bocado, mas não vale a pena… São as regras do jogo. É a mesma coisa que a gente entrar num casino e chatear-se por nos pedirem dinheiro para podermos jogar.»
A apresentadora ficar aborrecida mas «simultaneamente fazer a autocrítica de que o aborrecimento é inútil» significa que constatou «que não somos donos do império das nossas emoções», aclara Goldberg. Mesmo assim, aceita pagar o preço independentemente das «inevitáveis repercussões íntimas às vezes dolorosas» porque «a fama é afrodisíaca».
Na cruz com um sorriso
Daniel Oliveira é o entrevistador que melhor desmascara os famosos. O capital de confiança conquistado no magazine Alta Definição permite-lhe sondar o íntimo das celebridades como mais ninguém. A atriz Sofia Ribeiro, por exemplo, revelou-lhe aspetos que ela própria consideraria humilhantes se não tivessem sido contados na primeira pessoa – teve uma vida de pobreza e dormiu mais a irmã «atravessada na cama aos pés dos pais».
Revelações como esta são normalmente acompanhadas de lágrimas. Praticamente todos os entrevistados de Daniel Oliveira sentem que o choro, por mais genuíno que seja, faz parte do espetáculo. Na verdade, sabem que a fama é uma cruz onde as celebridades se deixam pregar de sorriso nos lábios. O sorriso, naturalmente, representa a máscara – a figura pública. As lágrimas serão o resultado natural de um exorcismo público: a revelação de aspetos recônditos do verdadeiro Eu.
Quando o objetivo é a fama pela fama, Daniel Oliveira admite que ser-se conhecido «poderá trazer uma ideia de felicidade». E, pior, um sentimento de falso Poder. «Ser mais rapidamente atendido num local não é Poder, é simpatia», relativiza. O sentimento de omnipotência é, antes, uma simples ilusão, «sobretudo para pessoas mais novas, que têm a fama como propósito único e final e ao conquistá-la de forma repentina criam essa ilusão de ter tudo» e de poderem tudo.
O narcisismo e o falso Poder
Jacob Goldberg dá um extraordinário exemplo de como as figuras públicas podem deixar-se enredar pela ilusão do Poder, que resulta, numa primeira fase, do narcisismo. «Tenho um paciente famoso, de que não vou citar o nome por questões éticas, que me disse: ‘Sou capaz de comer qualquer mulher do mundo’. É um claro surto de omnipotência. Nesse momento, retruquei e tentei impor-lhe um limite e perguntei ‘inclusive a sua mãe?’.»
A ilusão de Poder afeta o famoso. São «processos de sobrevalorização que distanciam a pessoa da realidade e que podem levar ao colapso ou à carência quando a atenção pública diminui», diz Maya – taróloga, relações públicas e apresentadora de TV. «Numa fase em que impera a fama instantânea, desprovida de substância, não há como evitar a ascensão e a queda.» Neste contexto, a sensação de omnipotência é falsa porque «o poder, na realidade, não existe», assevera.
A visão amadurecida da fama leva a atriz Isabel Medina a afirmar mesmo que falar de «fama e sucesso em Portugal dá vontade de rir». «O sucesso em Portugal, na maioria dos casos, não resiste para lá de Badajoz ou das comunidades portuguesas além fronteiras. É fogo de vista para fazer de conta que somos importantes e fazemos como os americanos, com passadeira vermelha e tudo», subestima. Da mesma forma, diz, «invasão da privacidade num país com estas dimensões é cusquice» – já que atualmente a fama e as suas consequências afetam de igual forma «um grande ator ou um qualquer cromo de um programa de entretenimento que não saiba ler nem escrever».
As portas da privacidade
O psicólogo Jacob Goldberg defende que poucos famosos se incomodam verdadeiramente com a invasão de privacidade, ratificando, de resto, a experiência de Isabel Medina. O fenómeno, aliás, não tem sequer que ver com a pequenez de Portugal. Goldberg trabalhou com individualidades como o piloto Ayrton Senna ou o cantor Roberto Carlos e testemunha que só «em último lugar» as celebridades se incomodam verdadeiramente com essa faceta da fama.
Kátia Aveiro, que experimentou um impulso de mediatismo, ao participar num reality show em Espanha, é das poucas a admitir que «a invasão de privacidade é algo inerente a qualquer trabalho que tem exposição mediática». Na escala de preocupações, vem, em primeiro lugar, «a ansiedade extrema e sem limite, uma ambição que perturba, que provoca insónias, manifestações físicas de mal estar que não passam», garante o psicólogo especializado em fama. Depois, preocupa-os «o medo de serem desmascarados: cansei-me de ver famosos dizerem-me que são uma farsa», garante.
A intimidade é uma caixa de Pandora
Ainda assim, mesmo as celebridades que se queixam da falta de privacidade acabam por admitir que foram elas próprias a abrirem as portas da intimidade, convidando-nos a entrar. Em entrevista, Alexandra Lencastre revela como, inadvertidamente, mudou as regras do jogo em seu desfavor. «Quando deixei de estar com o Virgílio Castelo, tive uma grande paixão pelo Piet-Hein, com quem vim a casar e que é o pai das minhas filhas. Não foi assim tão rápido, não me apaixonei por ele e dois meses depois estava à espera de bebé. Mas muita gente pensou que sim.
«O Virgílio passou a ser permanentemente felicitado na rua porque ia ser pai! O grande público, o público da rua, dos supermercados, das livrarias, não sabia que estávamos separados. O Piet-Hein sentiu necessidade de se apresentar e dizer ‘aqui estou eu, sou holandês, e eu é que sou o marido e o pai desta criança’. Aceitámos dar uma entrevista os dois em que se anunciou a maternidade. Ao pensar que estávamos a fechar uma porta e a pôr um fim às nossas preocupações, estavamos a abrir uma caixa de Pandora.»
A gestão de egos
Em declarações à Nova Gente, Manuel Luís Goucha corrobora o princípio de todos os perigos da fama. O mediatismo deslumbra e leva à sobranceria. A admissão de que inicialmente uma pessoa facilmente se deixa levar tem uma explicação simples – a veneração e a curiosidade do público.
«Temos uma curiosidade obscena, e por vezes até obscura, pela coscuvilhice, pela vida alheia. Eu não tenho, mas no geral essa curiosidade mórbida existe», diagnostica Manuel Luís Goucha. A gestão do ego, massajado anos e anos a fio, é hoje fácil para o apresentador da TVI – um dos melhores de sempre da TV nacional. A funcionar em dupla com Cristina Ferreira ao longo de anos, até esta se ter passado, há um ano, para a SIC, só a experiência de mais de 20 anos de holofotes permite a Goucha não transformar o espaço mediático que partilhou com a colega em arena para um confronto de egos. «Nunca tivemos um arrufo. Uma dupla em televisão é sempre complicado porque, quer queiramos quer não, estamos em profissões narcísicas. Os egos em televisão são uma coisa complicada. E curiosamente houve sempre muito respeito pelo espaço um do outro», esclarece.
Como em todas as coisas da vida, o tempo tudo cura, até os males da fama
A apresentadora, entretanto, tornou-se férrea na defesa da sua figura, autêntica mina de ouro para ela e para a TVI e agora para a SIC. Vive, porém, num aparente contrassenso entre a imagem comercializada e a Cristina simplesmente mulher. Tão depressa convida a imprensa para noticiar os seus negócios como a rechaça para lá da fronteira unilateralmente imposta desde que falhou a relação com o pai da criança, que chegaram a batizar na presença dos holofotes mediáticos.
Na exceção aberta para satisfazer a exigência de quem a idolatra – tão bem explicada pelo colega e agora concorrente Manuel Luís Goucha – foi, em entrevista em tempos transmitida na TVI, a prestigiada Judite Sousa quem fez as vezes do fã cheio de «curiosidade obscena». «Ainda ama esse homem?» A resposta veio aos soluços e em lágrimas. «Não deixámos de ser família, deixámos apenas de ser marido e mulher. Gostamos muito um do outro e ainda mais do nosso filho», admitiu – acrescentando mais tarde, no seu Facebook, que «talvez nunca tenha falado de forma tão clara» sobre a sua vida.
O lado negro da fama pesará muito mais do que o exposto aos holofotes
No debate interior quase esquizofrénico entre o ser público e o ser privado, Cristina há de saber explicar qual dos seus lados prevaleceu: se o da figura sempre alegre da TV, se o da mulher simples sem o tempo que gostaria de ter para a família – outra das vítimas da fama que exige constante alimento. «Ele é pai de todos os dias e de o ir buscar à escola. O Tiago só dorme em minha casa. De resto, estamos juntos para o resto da vida, naquilo que de melhor temos, que é o nosso filho.»
O lado negro da fama pesará, afinal, muito mais do que o exposto aos holofotes, quando todas as atenções estão voltadas para si, até nos momentos em que não quer. Com tudo o que há de bom e de mau, você é famoso. Se não aguentar, retire-se, recolha-se e esqueça a ilusão e o pesadelo. Como em todas as outras coisas da vida, o tempo tudo cura. Até os males da fama.
Texto: Luís Martins | WiN
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