Histórias de Natal: Quatro testemunhos de quem passa a Consoada a trabalhar

Um piloto, um supervisor de emissão, um enfermeiro e um bombeiro explicam como é trabalhar na noite de Natal, sendo obrigados – em nome do dever – a deixar a família para segundo plano.

Na noite de Natal, as famílias reúnem-se à volta da mesa para celebrar a quadra natalícia. Mas, apesar de a época ser festiva, «o mundo não para» e há quem tenha de deixar pais, filhos, avós, primos ou tios para fazer cumprir horários e marcar presença no local de trabalho. É o caso de Óscar Viana, Bruno Nascimento, Nuno Saraiva e Francisco Vilhena.

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«É sair quando a festa está a acontecer e chegar quando já estão todos a dormir»

«Trabalhar na noite de Natal requer um grande espírito de sacrifício e de missão. Deixar a nossa família para ir cuidar dos outros não é fácil. É sair quando a festa está a acontecer e chegar quando já estão todos a dormir», explica Bruno Nascimento, enfermeiro num hospital privado de Lisboa. «Mas faz de nós pessoas melhores», conclui.

Em sete anos de serviço – na unidade onde se encontra atualmente –, Bruno, de 47 anos, já trabalhou quatro natais. O último foi há dois anos. Passou a noite da consoada no hospital. A cuidar. Como faz nos restantes dias do ano. Para os profissionais, a rotina não muda. Mas para os doentes «é complicado». «Para quem está internado, vê-se que há pouca alegria, um sentimento de tristeza.»

O enfermeiro já trabalhou em áreas «mais pesadas». «É triste ver pessoas no final da vida em época festiva, de reunião familiar. Ver que alguém está em estado crítico e saber que, por detrás, está uma família desesperada e angustiada».

Para colmatar o facto de estarem fora de casa, «o hospital costuma deixar um miminho». «Mas nunca é a mesma coisa». Mesmo que trabalhe, Bruno ajuda a família a preparar a noite da Consoada. «Preparo tudo como se estivesse em casa. Depois, quando chega a hora de sair, saio.» Este ano, vai conseguir festejar com a família. Trabalha no dia 24 de dezembro, mas faz o turno da manhã. Depois, só regressa ao hospital dia 26 de dezembro.

«O mundo não para por ser Natal»

Já para Francisco Vilhena, piloto na TAP há 19 anos, o Natal vai ser passado longe da família. «Vou ter de estar no aeroporto dia 24 de dezembro, às 18 horas. Vou para Zurique. Fico lá e só regresso a Portugal dia 26 de dezembro às 8h00», conta.

Francisco, de 49 anos, já passou muitos natais a trabalhar. «Mas muitos mesmo», frisa. O último que passou em família foi há três anos. «Ser dia 24 dezembro ou 3 de janeiro é indiferente. É um dia de trabalho normal», explica. A TAP costuma oferecer um jantar ou ceia aos tripulantes que passam a quadra fora de Portugal. «E ainda nos dá a hipótese de levarmos um acompanhante, o que é muito bom.»

«O mundo não para por ser Natal», reforça. A família de Francisco Vilhena fica triste por não estarem juntos. Principalmente o filho, que tem oito anos. «Tirando a parte comercial, o Natal é um momento em que paramos por uns momentos a nossa vida stressada e celebramos todos em família. Pensamos no próximo, porque regra geral estamos imbuídos na nossa rotina e não pensamos em ninguém. É importante haver um dia em 365 para pararmos e pensar na família. Refletimos. Apela-nos ao coração e é nessa parte que valorizo o Natal.»

Francisco lamenta perder estes momentos em família. «O meu filho ainda está na fase em que acredita no pai Natal. Custa-me perder essa magia. Estes momentos ficam marcado, e fico triste por estar fora.» Mas o piloto não perde tempo em lamurias. Depressa reforça o gosto que tem pela profissão. «Amo o que faço. Sempre quis ser piloto. Nunca me imaginei a fazer outra coisa.»

Nuno Saraiva por pouco não viu nascer um bebé na ambulância

Nuno Saraiva, de 38 anos, tinha acabado de vir de um acidente no dia da entrevista. Recebeu-nos no seu local de trabalho: Bombeiros Voluntários de Sintra. É bombeiro há quase 25 anos. Desde então, já esteve de serviço entre cinco a seis natais. O último foi há seis anos e trabalhou das 21 horas às nove da manhã. «Há sempre aquele sentimento de ter os nossos familiares em casa a festejar e nós estarmos a trabalhar», conta.

Por norma, a noite de Consoada é «calma». «A probabilidade de existirem ocorrências é menor. As pessoas estão em casa, em família. É mais tranquilo.» No entanto, Nuno Saraiva relembra um episódio que aconteceu há 14 anos, e que o marcou. «Fomos chamados para ir socorrer uma grávida. Tinham-lhe rebentado as águas e, por pouco, o bebé não nasceu na ambulância.»

Entre o Natal e a passagem de ano, Nuno prefere trabalhar na noite de consoada. «A noite de 31 de dezembro é complicada. Muito trânsito, festas, álcool e drogas. Nunca paramos.» Este ano, trabalha no dia de Ano Novo, às nove da manhã. «A família fica sempre aborrecida. A minha filha e a minha companheira ficaram tristes por saberem que este ano ia trabalhar no dia 1 de janeiro.»

O trabalho de Óscar Viana na noite de Natal passa por «fazer cumprir tradições»

No local de trabalho de Óscar Viana, de 54 anos, não há tradições para celebrar a noite de Consoada. «Mas fazemos cumprir tradições», afirma. Trabalha no Grupo Renascença, onde exerce funções enquanto supervisor técnico de emissão.

A noite de 24 de dezembro é, por norma, «tranquila». «Mas temos sempre ligações obrigatórias ao longo do dia. Há as missas que transmitimos, a celebração do terço e as cerimónias à noite como a Missa do Galo. Ou seja, temos trabalho, mas não muito».

Em 30 anos de trabalho, Óscar Viana já trabalhou muitos natais. Tantos que nem sabe precisar. «Mas noites da Consoada foram poucas». O grupo de trabalho do supervisor é constituído por seis elementos. «Se rodar por todos, à partida, só trabalho a noite de seis em seis anos.»

Este ano, vai trabalhar na noite de consoada. Nos dias 23, 24 e 25 de dezembro faz o horário entre a uma e as sete da manhã. «Ainda vai dar para passar algum tempo com a família», refere, optimista. A única diferença desta noite para as restantes, é o jantar com os colegas. «Quem cá está junta-se para jantar, o que não acontece nos restantes dias. A Renascença costuma proporcionar uma ceia de Natal.»

«Quem está sozinho, vive a solidão no Natal e nos restantes dias»

Óscar Viana recorda os telefonemas que recebia na noite da Consoada de ouvintes das rádios do Grupo Renascença. «Antigamente, as chamadas caiam muito no nosso telefone. Agora são atendidas primeiramente pelo segurança», explica. «Recebíamos mais no Natal. Mas aquela visão romântica de que no Natal as pessoas sentem mais falta uns dos outros, não é verdade. Quem está sozinho, vive a solidão no Natal e nos restantes dias. E ligar para aqui já é um hábito para muitos. Todos os dias».

Apesar de trabalhar na quadra natalícia, Óscar consegue viver o espírito da quadra «até porque tenho duas filhas pequenas». As meninas já se manifestaram em relação ao facto de o pai não passar a noite inteira com elas. «Tento compensar nos outros dias».

Texto: Jéssica dos Santos; Fotos: Zito Colaço e Tito Calado

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